Agora todos os episódios do Podcast Revolução Sonora – 50 anos e Hip Hop estão transcritos neste post. Perfeito para quem quer se aprofundar ainda mais na nossa pesquisa e acessível a pessoas com dificuldade ou impossibilidade de audição. Logo lançaremos todos o material de apoio para engrandecer ainda mais nossa jornada.
Boa leitura a todos!
Transcrição Completa – Podcast Revolução Sonora – 50 anos e Hip Hop
Episódio 1 – O dia que mudou o Rap
Revolução Sonora: EP 01 – A noite que Transformou o Rap para sempre
Introdução
Se você chegou aqui, provavelmente, assim como nós, é apaixonado pelo rap ou ama uma boa história; e boas histórias são exatamente o que fizeram o rap perdurar por 50 anos e continuar no topo das paradas até hoje.
Vocês devem estar se perguntando, mas afinal, quem são esses malucos falando de rap? Meu nome é Fabiano Augusto Correa, mais conhecido como Etê, sou jornalista e fui DJ de rap por 14 anos, amo a cultura desde que me conheço por gente.
Para comemorar os 50 anos do Hip Hop, venho fazendo pesquisas desde a pandemia para contar histórias do rap para vocês que dificilmente veriam nos serviços de streaming.
Nesta Jornada, minha parceira Luah estará conosco do começo ao fim. Você já ouviu sua voz na abertura do programa, agora ela vai se apresentar. Vaiii Luah.
A produção deste podcast só foi possível graças à Soul Black Inc, ao Estúdio Vira Lata e ao nosso produtor Chico Paes. No nosso primeiro episódio, vamos abordar o Dia D do estilo, uma batalha que mudou o rap e garantiu a sobrevivência do gênero por meio século.
BREAK – VINHETA
Capítulo 1 – O que é o Rap?
Antes de tudo, vamos esclarecer um ponto importante, mas que muita gente ainda não sabe. O rap, é um dos elementos do Hip Hop, sempre que nos referirmos à musica neste podcast, usaremos o termo Rap. O Hip Hop, termo que muitas vezes é associado apenas ao rap, abrange o DJ, o grafite, B-Boys e B-Girls e também o conhecimento. Como esses elementos cresceram juntos e como se comunicam nos dias de hoje, será o assunto para um outro episódio da nossa série.
Mas afinal, a palavra Rap significa o que? Se a resposta na ponta de sua língua é uma abreviação para “Rythim and Poetry”, ou em português “Ritmo e Poesia”, você errou. Explica pra eles Lu.
Essa definição errônea é bem popular e as vezes propagada até por artistas e matérias na mídia. E não de se espantar né? É perfeita e se encaixa como uma luva no RAP. Mas a verdade é que esta definição foi inventada pelos fãs ao longo do caminho.
Estudando a etimologia da palavra, descobri que ela tem uma origem dúbia, pode ter derivado de Rappe, uma palavra do inglês antigo de origem escandinava que significa ” um golpe rápido e leve; um golpe retumbante”, ou a palavra veio de uma vocalização similar de povos nativos da América do Norte, que significa tapa ou palmas.
Umas destas palavras deu origem a palavra Rapping, que significa golpes sonoros contra uma superfície dura para chamar a atenção. Olha como estamos chegando mais perto. No século passado, a palavra já tinha conotação de discurso e conversa, e oratória, muitas vezes designada a ação de pastores negros do Caribe.
Nos anos 60, muito antes do Hip Hop, ela já era associada a música, com palavras faladas nos instrumentais. O verbo só virou um substantivo, o nosso querido Rap, durante a evolução do Hip Hop ao longo dos anos.
Definição
Então é a oratória em cima de música instrumental que define o Rap? Não, o estilo falado em cima de batidas é a característica mais popular do estilo, mas não o que o define. A spoken word, ou palavra falada, tem suas origens em tradições orais muito antigas, e em diversos povos ao redor do planeta e muitas vezes, já envolvia padrões rítmicos e entonações melódicas.
Os Griots, na África, eram exímios contadores de histórias e músicos reverenciados, eles já usavam a palavra falada acompanhada de instrumentos para contar casos, fazer comentários sociais e reafirmar seus valores.
Existem registros de uma estética parecida em civilizações antigas como a Mesopotâmia e a Grécia, bardos e poetas recitavam narrativas épicas acompanhadas por música.
Então matamos a charada? O que define o rap e o fez durar meio século é a magia da palavra falada, não, milhares de ritmos baseados em spoken word surgiram e minguaram em poucos anos, seja por preconceito ou falta de complexidade.
Então Etê, você falou de Batalha lá em cima, como não matei a charada a antes, o que fez o rap ser o que é são as batalhas e a rivalidade entre os Mc’s. Não meus caros ouvintes, as batalhas são extremamente marcantes e essenciais para a cultua, mas não foram inéditas, tão pouco exclusivas do rap.
Aqui podemos citar os Griots novamente, este povo africano já tinha suas batalhas verbais chamadas “jelimusow” ou “fambidon”.
Saltando para a Grécia antiga, as pessoas amavam uma boa competição poética. Nessas reuniões chamadas “agon”, poetas trocavam versos, às vezes até insultos, para mostrar quem mandava melhor na arte das palavras.
Nas culturas árabe e persa, havia algo semelhante. Estudiosos e poetas se enfrentavam em “munazara” ou “mubahala”, debates onde cada um mostrava o quanto sabia sobre religião, filosofia ou literatura.
Harlem, 1981
Etê, como assim, 1981? O Hip Hop não nasceu em 1973? Sim! O marco zero do Hip Hop ficou oficialmente datado em 11 de agosto de 1973, quando o DJ Kool Herc, em uma festa de aniversário de sua irmã, usou dois toca discos para criar um beat instrumental continuo.
Mas atenção ao detalhe, o primeiro disco de rap saiu apenas em 1979.
O título do primeiro disco de rap muitas vezes é atribuído ao disco de mega sucesso Rapper’s Delight, da Sugar Hill Gang. Por mais que esse trabalho tenha colocado o Rap nas paradas de sucesso, não foi a primeira gravação do estilo, No mesmo ano, apenas alguns meses antes a Fat Back Band lançou o disco King Tim III (Personality Jock).
Mas mesmo com o sucesso de Rapper’s Delight, a indústria fonográfica ainda não abraçava o estilo. 1980 foi um ano ainda relativamente fraco em questão de número de lançamentos, A Sugar Hill Gang lançou mais dois trabalhos e o lendário Kurtis Blow, lançou seu primeiro disco. Mas nas ruas, a situação era totalmente diferente, grupos estavam se formando em diversas quebradas do país.
Finalmente, 1981
1981, o ano do fato mais marcante no nosso podcast. O rap ainda era um estilo underground sequer notado pela grande maioria das pessoas. Para entendermos a cena da época, vou levar vocês à uma viagem ao tempo para conhecermos os álbuns mais vendidos em 1981. Em primeiro Queen, seguido de Phill Collins, Men At Work, Foreigner, Barbra Streisand, AC/DC, RUSH, Steve Nicks, The Rolling Stones; este estão nos top 10, na lista também encontramos de The Police, Genesis, Blondie, até chegar no número 35, que está Roberto Carlos. A primeira vista, nossa, que time talentoso, e realmente, temos um time da pesada nessa lista que citei. Mas não tem nenhum rap né Etê? Sim, absolutamente nenhum rap, mas o que é normal, sendo que o gênero ainda estava engatinhando. Mas o que me impressionou nessa lista, seguindo até o 37 lugar, onde figura o lendário Luther Vandross, é não encontramos nenhum artista preto.
O mesmo não acontece se buscarmos no Google listas como “Os melhores álbuns do 1981”, nestas, as flores tardias, acabam chegando.
Os números falam por si só que o ambiente não estava propício para qualquer ritmo preto, muito menos para o rap.
Nova Iorque também era uma cidade bem diferente da que vemos hoje em dia.
Coincidência ou não, 1981 foi ano mais violento na história da cidade. 120 mil roubos foram reportados, além de 2100 assassinatos. Para temos uma ideia, em 2022, a cidade teve 433 assassinatos. A máfia italiana ainda tinha uma influência gigante em Nova Iorque, propagando greves para pressionar o estado e causando crimes cinematográficos a luz do dia, não eram incomuns execuções em restaurantes lotados no melhor estilo do Poderoso Chefão. O crime também estava aumentando nas comunidades de afro americanas e latinas. Esse cenário caótico foi essencial para o Rap se firmar.
Harlem World Christmas Rappers Convention
A esquina entre a avenida 116th e a Malcolm X Boulevard, no Harlem, é um dos lugares mais lendários para a história do Rap. Lá funcionava o famoso Harlem World Cultural & Entertainment Complex, que além de casa noturna, também servia como sede de uma gravadora. A casa, que funcionou de 1975 até 1985, recebeu diversos pioneiros do rap, batalhas lendárias, além de gravar álbuns clássicos que ficaram na história. Após encerrar suas atividades com o crescimento das pistas de patins que começaram a tocar rap, o edifício deu lugar à alguns mercados, e hoje em dia, abriga um projeto que dá aulas gratuitas de reforço para crianças da comunidade.
Em 1981, assim como acontecia desde 1978, era realizado durante as festas de final de ano o Harlem World Christmas Rappers Convention. Uma convenção com os melhores shows, exposições, MCs, e DJs da época. Se você amasse rap, era o lugar para estar naquela noite gelada em Nova Iorque.
Entre as atrações daquele ano, estava Busy Bee, um rapper do Bronx que tinha o título de “Chief Rocker”, ou em uma tradução nada literal, o cacique das festas. O apelido era justo. Na cena desde 1977, Busy Bee Starski era disparado o melhor MC de festa de Nova Iorque. Sempre escalado para grandes eventos, ele costumava destruir seus adversários em batalhas para ver quem agitava mais o público.
E naquele 30 de dezembro de 1981, não estava sendo diferente, Busy Bee derrubava implacavelmente cada MC que se atrevia a subir no palco. Um personagem cheio de glamour, segurando o troféu antes da competição começar, falando que não haveria chance para ninguém naquela noite. Além de uma levada divertida e engraçada, ele era conhecido por algumas malandragens como pegar uma rima de um, outra rima de outro, juntar as duas e fazer um show como ninguém.
Busy Bee era um showman, nasceu para isso, mas suas rimas seguiam o estilo dos primeiros MCS. Sempre contando vantagens sobre si mesmo ou fazendo brincadeiras vocais nos beats para melhorar suas rimas, algo como, didiri driri didiima, quem ta gostando da festa pões a mão pra cima, ou até, durun dum dun dun, quem ama Busy Bee balance seu bumbum. Busy Bee fazia isso por horas e horas sem perder a atenção do público. Esse era o estilo das festas e muitas vezes, do que estava tocando nas rádios, mas na rua não, na rua o Rap já encontrava um novo caminho; e Busy Bee meus amigos, não é o único personagem principal da nossa história.
Além de Busy, outro MC estava escalado para trabalhar naquela noite; Mohandas DeWese, mais conhecido como Kool Moe Dee. Moe era um artista emergente que tinha acabado de lançar um single de sucesso com sua banda The Treacherous Three. Diferente de Busy Bee, Mo representava a nova geração das ruas e conjuntos habitacionais de Nova Iorque, era um MC conhecido por conhecido por suas letras afiadas e entrega rápida.
Mas Kool Mo Dee e seu grupo não estavam lá naquela noite para batalhar, sequer fazer um show, eles foram contratados para serem hóspedes vip do evento. Kool Mo Dee apresentava e organizava a batalha, enquanto Busy Bee dava seu show.
Ao ver que todos os adversários estavam sendo destruídos por Busy Bee, o público acabou ficando impaciente com a falta de competitividade e bastou um provocador para mudar a história do rap para todo o sempre.
Alguém da plateia com o dedo em riste apontando para o palco, gritou,:”Dele você não ganha”, , logo um silêncio tomou a boate lotada, e Busy Bee respondeu:
“Não importa quem seja, eu ganho de todo mundo, esse troféu já é meu. Vou até fazer uma pausa porque ninguém vai ganhar de mim”
O provocador retrucou em voz ainda mais alta: você não ganha do Kool Moe Dee. Busy Bee respondeu: Não importa quem seja, quem subir aqui será suicido. Vou nocautear todos os vagabundos.”
Deixou o microfone de lado, e se dirigiu ao andar térreo do club, e foi tomar um champanhe e recolher seus louros.
No palco, Kool Moe De, solitário, se sentiu desrespeitado, foi até um homem com uma lista e uma caneta na mãe, e falou: Pode colocar meu nome aí.
Com Busy Bee ainda no bar, Kool Moe Dee voltou ao palco e mandou algumas rimas que mudariam a percepção do público de rap para o resto da história.
Kool Moe Dee não agitou a festa, tão pouco sorriu ou fez brincadeiras com sílabas musicais. Mo começou a atacar diretamente Busy Bee com rimas inteligentes, criativas e humilhantes. Falou do seu nome, falou de sua mania de roubar rimas, tirou sarro de sua roupa e ainda conseguiu colocar alguns de seus versos antigos na performance.
Logo um fã aflito correu ao bar para avisar a Bee: “Kool Moe Dee está literalmente acabando com você no palco.” Quando Bee subiu correndo para o segundo andar, já era tarde demais. O rap nunca mais seria o mesmo. A plateia estava atônita vendo pela primeira vez em um grande palco o que estava sendo executado nas ruas por algum tempo. Uma narrativa pessoal baseada na arte da escrita, na capacidade de contar uma história longa com diversos aspectos pessoais.
Mo era o campeão. A fita da gravação da batalha logo saiu do Harlem e as cópias eram disputada no Bronx, no Brooklyn, no Queens e até em algumas quebradas fora de Nova Iorque.
Aquela noite ditou o formato, a estética, não só das batalhas, mas também de como o rap seria feito por anos e duraria meio século chegando ao topo das paradas.
Vocês têm noção que se Kool Moe Dee tivesse perdido aquela batalha nos dias de hoje o rapper ia mandar um dadaradadadad antes de qualquer canção? Ou talvez até o Rap nem teria sobrevivido 50 anos e mudado absolutamente todos aspectos da nossa sociedade. A força da narrativa pessoal é imensurável. é assunto de qualquer guru do marketing e gera um interesse muito forte, não só daqueles que conseguem se ver na história dos rapppers, mas também daqueles cuja as realidades são totalmente diferentes das cantadas nas músicas. A narrativa é tão intrínseca e pessoal, que acaba gerando interesse até de pessoas que quer aprender mais sobre a rua, ou se sentir da quebrada pelo menos por alguns minutos. Pela mágica da narrativa, o rap se formou e se definiu como essa força artística que vemos até hoje. Sem a narrativa não teríamos um homem na estrada, dos Racionais Mcs, A Better Tomorrow do Wu Tang Clan e outras tracks clássicas que trazem histórias cativantes, complexas e detalhadas.
Se falarmos que os rappers escrevem 100% de suas músicas, estamos mentindo, diversos casos de ghost wrtiting ou até composições com créditos se destacaram na história do estilo. Mas mesmo assim, em comparação com todos os outros estilos, o Rap é o gênero mais autoral da música. Aonde a grande maioria das rimas são escritas pelo próprio rapper, que jamais se destacariam se não tivessem habilidade com as palavras.
Mas a relação pessoal de rapper com a música, também tem seus fardos. O rapper acaba se tornando o que ele canta, mesmo quando está literalmente apenas reportando o que rola nas partes menos favoreci dadas das cidades.
É comum ver a primeira emenda da constituição americana ser ignorada em tribunais, quando as letras dos rappers são usadas contra eles mesmos em seus julgamentos.
Se o rapper que canta sobre homicídio é um criminoso, porque Al Pacino não é um grande traficante de drogas? Nem Marlon Brando um gangster? Se o Planet Hemp foi preso por apologia, porque jamais perseguiram Kátia Lund e Fernando Meirelles por Cidade de Deus?
Fechamos nosso episódio desta semana com esse questionamento para vocês refletirem. Semana que vem tem mais Revolução Sonora, quando iremos abordar a os features e como a colaboração mudou o rap e virou um negócio milionário.
Episódio 2 – Convidados de honra – Como as Features moldaram o Rap
Hoje o Revolução Sonora vai falar de uma peça chave moldou o Rap e garantiu sua
sobrevivência por 50 anos, os features, ou em português, participações especiais ou
colaborações. Você com certeza já viu este termo até em músicas nacionais, mais uma palavra
que importamos dos Estados Unidos. Mas afinal o que é um feature? De maneira simples, é
quando um artista ou banda colabora, gravando uma música com outros artistas. As
colaborações podem ser entre rappers e cantores, músicos e produtores, rappers e rappers,
produtores e produtores, as combinações são infinitas.
As colaborações não são exclusivas ao rap, e antecedem a criação do estilo. Mas essa
ferramenta fora do rap não conseguiu o mesmo resultado. Os features no rap abriram
caminhos, criaram novos ritmos e geraram grandes clássicos do gênero, além de se tornaram
uma negócio milionário, aonde se pode questionar as intenções artísticas.
Como sempre no Revolução Sonora, vamos começar explorando as raízes do tema. A música é
e sempre foi uma atividade coletiva. Desde as primeiras flautas feitas de ossos de animais a
mais de 40 mil anos atrás, até DJs tocando nos dias de hoje com o equipamento mais moderno,
a união e a pluralidade são essenciais para uma boa apresentação. Uma banda, uma
colaboração e até a uma orquestra não são apenas uma grande quantidade de músicos
tocando juntos, mas isso um caldeirão de diversidade e personalidades diferentes que fazem
desta arte única e tão incrível.
Já na música clássica, a colaboração era essencial, mesmo que pouco notificada. Diversas obras
notórias foram deixadas para assistentes e alunos polirem, ou foram em sua maioria criadas
por um protegido antes de serem adicionados os retoques finais pelo mestre. Várias das
aclamadas Rapsódias Húngaras de Franz Liszt, por exemplo, foram em grande parte
orquestradas pelo seu aluno e protegido Franz Doppler, com Liszt adicionando as revisões e
retoques finais no processo.
Na música clássica, já existia um fenômeno que vemos até hoje. irmãos musicalmente
talentosos criando trabalhos juntos. Principal dinastia musical austríaca da sua época, os
irmãos Strauss Johan II, Josef e Eduard trabalharam juntos numa série de projetos
colaborativos ao longo das suas respectivas carreiras.
A musica foi evoluindo de forma coletiva com as bandas e orquestras, que já na maioria das
vezes criavam suas melodias em conjunto.
No jazz, tivemos grandes parcerias que deram vida a músicas incríveis. Miles Davis e Gil Evans
fizeram álbuns famosos, como “Sketches of Spain”. Django Reinhardt e Stephane Grapelli
misturaram jazz com um toque europeu, algo bem diferente. Duke Ellington e Billy Strayhorn
eram uma dupla incrível, com Duke até criando músicas pensando nos talentos de sua banda. E
Charlie Parker com Dizzy Gillespie? Eles ajudaram a criar um estilo de jazz super animado
chamado be-bop. Todas essas duplas tornaram o jazz ainda mais especial!
Rock
O Rock foi o primeiro estilo que conseguiu enxergar o potencial artístico e comercial dos
features. Mas diferente dos dias de hoje, aonde um feature com outro artista, gera hype e
curiosidade dos fãs, nos anos dourados do rock não era assim. Os fãs tinha uma apego muito
forte com o estilo, e uma participação especial com alguém fora do meio podia gerar o famoso
bordão; “tá traindo o movimento”.
Os features no Rock renderam alguns clássicos como Beatles e Eric Clapton, na música While
My Guitar Gently Weep. Quando Eric ficou hospedado na casa de George Harrison durante as
gravações, e é até hoje o único guitarrista a tocar em música da lendária banda de Liverpool.
Inspirados em uma música dos Jackson 5, os mestres David Bowie e John Lennon criaram a
música Flame, um trampo bem diferentes da linha que os dois seguiam na época.
E por falar nos Jackson 5, Michael Jackson fez história colocando uma solo de guitarra de Eddie
Van Halen em sua música Beat It, um dos maiores sucessos do rei do pop de todos os tempos.
Ok, mas aonde entra o rap nessa história? Entra agora mesmo. O Aerosmith foi a primeira
banda de rock a chamar um grupo de Rap para uma colaboração. A música Walk This Way, com
o Run DMC, foi extremamente revolucionária e mãe de estilos que deram origem até o Nu
Metal. Mas as features no Rap nasceram daí? Não, são um pouco mais antigas e não foi essa
fórmula do Aerosmith que ditou o gênero até hoje.
O RAP
Como vimos, os features estiveram sempre presentes e fizeram parte da música. Mas o rap
anabolizou esta ferramenta como ninguém, não só dentro do gênero, mas fazendo uma
revolução em toda cultura musical. Os números falam por si só; no top 100 da Billboard nas
últimas décadas dezenas de músicas são colaborações, o que não passava de meia dúzia na
década de 80.
A DistroKid, um serviço independente de distribuição de música digital, realizou um estudo
sobre as músicas que recebeu em quatro anos, totalizando mais de 1,2 milhões de faixas. Esse
serviço ajuda artistas e gravadoras a disponibilizar suas músicas em plataformas como Spotify e
iTunes. Descobriu-se que, das mais de 152.000 faixas de hip-hop enviadas, 42% tinham uma
colaboração no título. Isso é um crescimento de 20% em apenas dois anos! Em contraste,
apenas 2% das músicas de rock tinham colaborações.
Como começou?
As colaborações no rap datam os primeiros passos do estilo. A música “She Ain’t Worth It”,
uma colaboração entre o cantor pop havaiano Glenn Medeiros e Bobby Brown é muitas vezes
creditada como a primeiro feature do rap com um cantor ou uma música pop. Mesmo de
qualidade questionável, e também relembrando que Bob não exatamente um rapper, mesmo
fazendo rimas nessa música, essa track tem história na participações por chegar ao no número
um, e o colocar o termo pela primeira vez no topo das paradas.
Mas antes dessa música, existem outros trabalhos que clamam serem a primeira participação
de rapper e outros artistas fora do estilo. I feel For You , música de Chaka Kahn de 1984, teve a
participação do pioneiro Melle Mel, mesmo que ele receba raramente o crédito pela
participação.
No final dos anos 80, mais participações começaram a pipocar; já com uma fórmula bastante
explorada nos anos 90 e 2000; uma mulher cantando o refrão e os rappers fazendo as rimas,
Joyce Finderella e Doug E Fresh colaboraram na música ‘Mr. Dj’ em 1989, e Jody Watley e
Rakim fizeram o mesmo com a música ‘Friends’ no mesmo ano. Elas foram definitivamente as
duas primeiras mulheres a fazer isso. Curiosamente, em 1989 também, Janet Jackson
colaborou com Heavy D no remix de ‘Alright With Me’, num beat bem disco.
Mas as features ainda estavam engatinhando e não eram comuns no rap. Agora você me
pergunta, siso porque não existia coletividade e essa necessidade de diversas mentes
pensantes não era presente no rap?
Não, porque se analisarmos o começo do rap, inclusive no início da tão chamada Golden Era, a
maioria dos artistas do estilo eram bandas ou duplas, e não rapppers solos. NWA, Wu Tang
Clan, A Tribe Called Quest, De la Soul, The Fugees, Beastie Boys, Public Enemy, Bone
Thugs-n-Harmony, posso falar a noite toda. E o mesmo podemos falar do rap no Brasil,
Racionais, SNJ, RZO e tantas outras.
Todo rapper precisa e precisou da coletividade e das participações para evoluir. A arte de rimar,
assim como o Jazz, evoluiu em suas sessões com outros artistas e trabalhos colaborativos. Todo
rapper é uma mistura dele e seus artistas favoritos.
Fazendo as pesquisas para este Podcast encontrei um estudo muito interessante no MTO, um
jornal que aborda teoria musical. O pesquisador Robert Komaniecki, da Universidade da
Indiana, fez um trabalho meticuloso analisando os features e as bandas. Robert transcreveu
para partituras a levada de diversos rappers quando estavam rimando com outros membros de
sua banda em uma música, ou fazendo uma participação especial. Depois, ele fez as partituras
dos mesmos rappers rimando sozinhos em músicas sem a participação de ninguém. Depois de
uma análise técnica, se viu que o padrão de levada que o rapper repetia em suas músicas solo,
não se mantinha na banda ou em participações especiais. O rapper acaba tentando se adaptar
ao outro artista, ou algumas vezes, e ir totalmente ao contrário do estilo do colaborador,
aumentando a intensidade em uma espécie de competição na mesma música. Essa é a prova
definitiva que os features moldaram o rap muito além do interesse comercial.
Os features começaram a bombar no final dos anos 90 e na virada do século, principalmente
com o ressurgimento do rap na costa leste após um domínio e anos do gangsta rap. Mas ainda
assim, era uma conexão que envolvia mais arte que dinheiro, mesmo sendo extremamente já
lucrativos na época. Os rapper costumavam colaborar com artistas da própria galera ou da
mesma gravadora. Ja Rule sempre fazia músicas coma galera da Murder Inc, Jay Z da
Rockafella, 50 Cent tinha a Olivia na G Unit e Fat Joe no Teror Squad.
Era arte, mas já tinha virado uma febre comercial, praticamente toda música tinha que ter uma
participação especial no começo dos anos 2000 para fazer sucesso, de Diddy, atravessando
todo o país até o lançamento do clássico Chronic 2001, que revelou artistas como Eminem e X
Zibit para o público em geral.
Com o sucesso dessa fórmula, muita gente na indústria viu que era uma jeito de fazer muito
dinheiro, principalmente com artistas pop ou de RnB, aonde você conseguia agrupar dois
grandes grupos de fãs em uma só musica.
O que era uma união de parceiros como Dre e Pac em California Love, ou Biggie e Diddy, e até
Ja Rule e Ashanti, acabou virando um negócio lucrativo aonde participações são artigos de
venda e algumas músicas foram feitas sem sequer ambos artistas pisaram no mesmo estúdio.
Dois artistas se destacam nessa fase com números incríveis. T-Pain, o rei do auto tune, chegou
a ter 7 participações nas 10 músicas mais ouvidas nas paradas de hip hop. Akon não foi
diferente, chegando a arrebatar quase metade do ranking sem nenhuma música própria. As
participações também seguem sempre o hype do momento. Quando o Dancehall era o
subgênero mais ouvido, Sean Paul estava presente em metade dos hits das paradas. Quem não
lembra a febre do Reggeaton nos anos 2000, Don Omar, Tego Calderon e até o Dj Tony Touch
estavam em diversos hits. O mesmo aconteceu com DJs e produtores, David Guetta embarcou
na onda de batidas eletrônicas com rimas, ditando um ritmo que fez artistas com Akon,
Rihanna, Black Eyed Peas, Flo Rida, e até o Usher ganhar muito dinheiro.
E foram muitas, mas muitas músicas, os números não mentem. Ouça um pouco dos artistas
com mais participações na história.
Snoop Dogg, com suas 583 participações, ficou em primeiro lugar trazendo sua vibe única da
Costa Oeste e seu carisma inconfundível em mais de 30 anos de carreira. Depois temos Lil
Wayne, que, com 430 features, sempre fez sucesso com sua voz inconfundível. Logo atrás,
temos Bun B, pouco conhecido no Brasil mas uma lenda no rap do sul dos EUA. A lenda tem
aproximadamente 280 colaborações mantendo o legado do UGK vivo. 2 Chainz, da nova
geração, vem com 274 participações. Busta Rhymes, o mestre das rimas rápidas, somou 254
features, Nate Dogg, com suas 241 colaborações, foi a voz inconfundível dos refrãos mais
icônicos do gangsta rap. Jay-Z, a lenda de Brooklyn com 229 participações, consolidou seu
legado não apenas como rapper, mas também como um magnata da indústria. Este número é
impressionante porque sabemos que Jay Z é extremamente seletivo em features e não tem
nem preço por um verso seu.
Kendrick Lamar, apesar de ter uma carreira bem mais curta que o resto da lista. tem suas 206
colaborações, trazendo sempre uma profundidade lírica e consciência que poucos conseguem
alcançar. E40, lenda da West Coast, tem 200 participações. Finalizando a lista do top 10, está
T-Pain, o rei do auto-tune, deixou sua marca em 197 faixas, reinventando o som do rap e R&B
com sua abordagem única.
Produtores
Nos últimos 15 anos, não só rappers e cantores eram realçados nas participações com
marketing pesado. Os produtores também começavam a ser um fator essencial para o hit subir
nas paradas.
Não me entendam mal, os produtores sempre foram peças especiais no rap, desde de seus
primeiros passos. Mas lendas como Pete Rock, Dj Premier, Large Professor, J Dilla, Erick
Sermon, Q Tip fizeram as melhores músicas dos anos 90 não recebendo crédito, com royalties
baixos e pouca atenção da mídia. Frases como “quem fez esse beat”, “tal produtor vai lançar
um álbum novo” ou esse beat é a alma da música!, só poderiam ser ouvidas em rodas de djs,
mcs, beat makers ou fãs muito assíduos do estilo.
Isso mudou na virada do século. Dr Dre, além de rapper, foi responsável por criar toda
atmosfera do gangsta rap e lançar alguns dos discos mais vendidos da história. Snopp Dogg,
Eminem e 50 Cent foram alguns dos nomes que jamais ficariam tão famosos sem o toque de
Midas do produtor californiano. A costa leste também estava revelando diversos beat makers
como Just Blaze, Swizz Beatz, Timbaland,que além de assinarem as tracks, muitas vezes
apareciam até m videoe clips. Um beat do Neptunes nos anos 2000, leia-se Pharell Williams e
Chad Hugo, chegou a custar 600 mil dólares. Kanye West também era conhecido como beat
maker e assina diversos hits que você nem imagina bem antes de se tornar um rapper famoso.
Rappers também gravaram álbuns com apenas um produtor, mostrando sintonia de uma dupla
criando clássicos. Nessa categoria temos que destacar Murs e 9th Wonder, O disco Be, de
Common e Kanye West e os últimos discos do Nas em colaboração com Hit Boy. Essa é outra
lista que viraríamos a noite citando grandes trabalhos.
Essa pratica se mantém até os dias de hoje, aonde os produtores do trap tem status de
celebridade e adicionam tags no começo dos beats. Você já deve ter ouvido “london in the
tracks” ou “iTS mURDAAA” Antes de sua música favorita.
A figura do produtor executivo também se tornou uma peça fundamental em discos de
sucesso. Dj Khaled não rima, não produz, mas tem a capacidade de juntar mais de 15 artistas
do topo da pirâmide em um disco com os melhores produtores do mercado, comandando o
trabalho como um amestro. Diddy também é um dos produtores executivos de maior sucesso
no Rap, ditando a estética do estilo nos ano 2000 com diversas participações entre rap e RnB.
Mas por falar em milionários, quanto custa uma participação dos melhores rappers do
momento?
Vendendo rima
Vender seus feats era um tabu no rap, era conversa dos bastidores mais exclusivos de quem
comandou o jogo por décadas. Mas nos últimos anos, esse tabu foi quebrado e rappers falam
abertamente quanto cobram ou quanto pagam em participações.
Uma reportagem da Complex, uma das maiores mídias de cultura urbana no mundo, mostrou o
valor de um versos de alguns grandes nomes do momento.
Quanto um rapper cobra para fazer feature é proporcional ao quanto ele é famoso. Quando
ficam mais populares, cobram mais. Por exemplo, DaBaby começou cobrando 5.000 dólares e,
em três anos, passou a cobrar 300.000. Mas, se um artista cobra muito caro, as pessoas
esperam que essa participação ajude muito nas vendas ou que seja muito elogiada, o que nem
sempre acontece, principalmente com a quantidade absurda de features saindo todos os dias.
Alguns discos chegam a contar com 15 artistas convidados.
O rapper Future, segundo uma entrevista da Megan Thee Stallion na rádio, cobra 250 mil
dólares por uma participação, mais de um milhão de reais. Nick Minaj, talvez a rapper de mais
sucesso hoje em dia, cobra até meio milhão de dólares para uma participação segundo uma
letra da própria artista. Segundo a revista The London, J Cole cobra de forma diferenciada a
bagatela de 2000 dólares por palavras.
Tá achando muito? Drake chega a cobrar no mínimo um milhão de dólares por participação, e
Eminem 3 milhões liderando a especulação da Complex. Kanye West é conhecido por não
cobrar participação, mas escolher apenas artistas com uma sintonia enorme para dividir sua
arte. Jay Z já disse em uma entrevista que não cobra por participações pois não precisa mais de
dinheiro, ele quer na verdade se conectar com artistas mais jovens, mas o astro acaba negando
90% dos convites por falta de tempo.
Episódio 3 – Sample – A Alma do Rap
Olá, este é o terceiro episódio da série Revolução Sonora. Hoje vamos falar um pouco sobre
um dos elementos mais marcantes do rap, o sample.
O sample, como conhecemos hoje, é uma técnica que surgiu como parte vital do estilo ao
longo dos seus 50 anos.
Mas afinal, o que é o sample?
A definição é um tanto simples, um artista usa pedaços de uma música já existente para criar
uma obra novinha em folha. Ele recorta pedaços da música, pode escolher um trecho com voz,
pode isolar algum instrumento, e une estes retalhos de forma criativa com suas próprias
batidas criando uma nova textura musical. Muitas vezes, os samples são bem óbvios, como no
último hit do rapper 21 Savage.
Reddrum foi feita com um sample de “Serenata do Adeus”, de Vinicius de Moraes. No começo
da música, você facilmente reconhece o toque mágico da lenda da música brasileira. O mesmo
acontece com a faixa Chama Os Mulekes, da banda brasileira Cone Crew, que sampleia a
música ‘I Put a Spell on You”, de Nina Simone.
Mas em muitos casos, o produtor é tão sutil ao usar o sample, ou usa elementos muito
aleatórios e curtos, que nem o ouvido mais afiado consegue saber a fonte dos recortes.
Mesmo ilegal por anos, e ainda fora da lei se você não pedir autorização, esta técnica criou um
mutualismo, elevando a carreira de quem sampleia, e também do sampleado.
O sample não faz parte do Hip Hop, é sua alma. E não apenas tecnicamente, o sample mostra a
cultura de cada produtor, suas referências, aonde ele cresceu, de qual país seus pais foram
imigrantes e até os discos que tocavam em sua casa quando estava dando seus primeiros
passos.
O formato de sample moderno é creditado ao Hip Hop, mas a mentalidade do sampling vem
de uma época em que o estilo nem pensava em nascer.
A mentalidade do sample surgiu há centenas de anos. Mas como quase todos os marcos na
música, não conseguimos saber com precisão como a ideia ganhou vida pela primeira vez.
Podemos começar com a genialidade de Beethoven e Stravinsky, lendas da música clássica que
reconfiguravam sons de eras anteriores entre novas instrumentações e texturas mais
modernas.
Agora pulamos algumas centenas de anos e aterrissamos diretamente em Nova Orleans.
No início do século XX, músicos de jazz sampleavam pequenos trechos de composições
de seus colegas em suas performances ao vivo. Na época, essa técnica era espécie de
homenagem, por respeito e admiração ao compositor.
Esse “empréstimo” de partes da música tornou-se uma prática popular entre os músicos.
Era uma forma de agradar ao público e adicionar mais diversão aos eventos de jazz ao
vivo.
O compositor francês Pierre Schaeffer, conhecido por ter inventado a música concreta,
tem seu toque de maestria na invenção do sample. O músico liderou o movimento
Musique Concrète. Este gênero não era propriamente um estilo, era mais uma arte
sonora, ou “um estudo do som”, e usava amostras pré-gravadas que eram então
manipuladas; aceleradas ou desaceleradas, e o resultado final reaproveitado em outras
obras. Isso foi possibilitado e altamente acessível pela invenção do gravador de fita,
que deu a praticamente qualquer pessoa total liberdade para manipular sons gravados e
usá-los como meio de expressão.
Não só o gravador de fitas cassetes serviu como ferramenta para a evolução do sample,
mas diversas outras tecnologias surgiram ao longo dos anos para concretizar a ideia que
começou lá em 1800 com os compositores europeus.
Como vimos até aqui, a ideia do sample era uma técnica que era usada ao vivo, mas
graças a diversas invenções que uniram música e tecnologia, o sample pode migrar para
o estúdio.
Estas máquinas são ferramentas importantes que ajudaram a forjar o rap como é hoje. E
se o assunto é tecnologia, vamos começar falando do Chamberlin.O instrumento,
inventado e desenvolvido por Harry Chamberlin é um teclado eletro-mecânico que
dispara pedaços de fitas que contém vários instrumentos diferentes pré-gravados. A
fabricação deste instrumento foi limitada devido aos altos custos de produção. Hoje em
dia são raridades de colecionadores e valem centenas de milhares de dólares.
O sonho de todo pai e ver seu herdeiro alcançar feitos maiores que os seus, e o
Chamberlin teve sucesso nesta missão.
O investidor Bill Fransen decidiu levar a produção do Chamberlin para o próximo nível
enviando dois deles para o Reino Unido em 1962, onde fechou um acordo com a
empresa Bradmatic, Ltd. para produzi-los em massa sob um novo nome: Mellotron.
Eles começaram fabricando o Mellotron Mark I, um clone do Chamberlin. Isso depois
evoluiu para o Mellotron M400 e em 2007 o M4000. Uma versão digital chamada
M4000D, com loops de fita digitalizados, está disponível até hoje.
Por falar na era digital, 1976 foi um ano gigante na história do sample.
Harry Mendel inventava o primeiro sampler digital monofônico, chamado Computer
Music Melodian. O lendário Stevie Wonder foi um dos primeiros clientes de Mendel, a
máquina foi usada em seu álbum “Journey Through The Secret Life of Plants”.
Em 1979, outra máquina revolucionava a maneira de criarmos música. O Fairlight CMI
(abreviação de Computer Musical Instrument). Inventado por Peter Fogel e Kim Ryrie,
esta máquina estava muito à frente de seu tempo porque não só era polifônica (possuía
uma multiplicidade de sons, mas também era um sintetizador digital e uma estação de
edição de áudio digital, tudo integrados em uma só unidade. Além de uma biblioteca
gigante de timbres, você consegui fazer quase todas etapas na produção ali. O Fairlight
CMI também possuía uma “tela sensível ao toque” controlada com uma caneta de luz.
Vamos lembrar, não estávamos sequer na década de 80, e esta máquina deixou as
pessoas de queixo caído. O aparelho foi adquirido pelas maiores estrelas da música dos
anos 70 e 80, e foi o início daquele som característico dos anos 80. Mas o Fairlight CMI
requeria uma técnica muito afiada e tinha um custo totalmente inviável para um músico
que não estava com suas contas recheadas de dólares.
Estas máquinas gigantes cheias de fios acaram dando espaço nos anos 80 aos samplers
digitais portáteis. Este passo revolucionário, e evolucionário, aumentou muito a
acessibilidade do sampling. O que antes exigia mãos habilidosas especializadas ou
equipamentos pesados agora estava disponível na forma de uma caixa compacta
(relativamente acessível) às vezes acoplada a um controlador de teclado. Isso causou um
boom na produção de música eletrônica baseada em samples em todo o mundo,
estendendo-se muito além do Bronx e do Hip Hop. A Akai e a gigante Roland, são duas
empresas importantes na criação da estética do som do rap moderno. Milhares de
aparelhos foram inventados desde então, mas vamos focar em duas invenções que estão
imersas no que conhecemos como rap, trap e funk nos dias de hoje. A TR-808 e a Akai
MPC.
Vamos começar falando da TR-808 Drum Machine, lançada pela Roland, em 1980. É
impossível contar a história do rap, principalmente de seu subgênero o Trap, deixando
de fora uma máquina que esculpiu o estilo e continua sendo usada até hoje.
Para entender como o som do trap music surgiu, é preciso voltar ainda mais na história
do rap. O lançamento da máquina de bateria TR-808 foi um verdadeiro fracasso
comercial, mas ganhou um culto de seguidores ao ser adotada pelos DJs de hip-hop. A
TR-808 é um pilar da música hip-hop moderna – é a fonte do chimbal único e os sons
graves de bumbo usados no trap, rap e até no funk brasileiro.
Conforme a TR-808 chegou ao Sul dos Estados Unidos na década de 1980, os
produtores encontraram formas de aumentar o som grave de suas faixas. A música
Miami bass – especialmente o grupo 2 Live Crew com hits como “Me So Horny” em
1989 e “Banned in the U.S.A.” em 1990 – utilizou esse efeito de forma marcante.
DJ Toomp, que trabalhou na cena da música bass no Sul e excursionou com o 2 Live
Crew, trouxe essas técnicas para Atlanta. Pouco mais de uma década depois, ele usaria
essas mesmas técnicas com o rapper T.I. para ajudar a definir o som do trap. Kanye
West, em 2008, lançou o álbum 808s & Heartbreak, aonde a influência da máquina está
presente até no título, mostrando como a bateria da Roland envelheceu como vinho tinto
durante décadas.
Você sabe o que é uma Akai MPC, mas talvez nem imagina. Dê um Google neste nome
e logo vai reconhecer uma máquina que deve ter visto em diversos shows de rap, clipes
e até apresentações de DJs de funk brasileiro, que levaram a técnica ao vivo a outro
nível.
A Akai MPC, abreviação em inglês de “Centro de Produção MIDI”, é um equipamento
de produção musical que teve um impacto significativo no hip-hop e na música
eletrônica. Desde sua introdução em 1988, o MPC se tornou um instrumento icônico,
utilizado por artistas como J Dilla, Racionais MCs, Kanye West e Dr. Dre.
A MPC60 foi o primeiro de uma linha de máquinas da Akai que revolucionaria a
indústria da música. O MPC60 combinava capacidades de amostragem com
sequenciamento MIDI, permitindo que os músicos criassem e arranjassem faixas
inteiras dentro do mesmo equipamento.
O MPC60 não estava isento de limitações. Tinha um tempo máximo de amostragem de
13 segundos e podia armazenar apenas 750 kilobytes de memória. No entanto, sua
interface intuitiva e sequenciador poderoso o tornaram um sucesso entre os músicos,
especialmente no emergente gênero do hip-hop.
Em 1994, a Akai introduziu o MPC3000, uma versão atualizada do MPC que abordava
muitas das limitações do MPC60. O MPC3000 tinha um tempo de amostragem maior
de 32 segundos e podia armazenar até 32 megabytes de memória. Também tinha
capacidades MIDI aprimoradas e um sequenciador mais avançado.
Ao longo dos anos, a Akai continuou a refinar a linha MPC, introduzindo modelos
como o MPC2000 e MPC4000. Em 2007, a Akai lançou o MPC1000, uma versão mais
acessível e portátil do MPC, adequada para apresentações ao vivo.
A máquina é icônica até hoje e ainda usada por grandes beatmakers do rap.
Com a evolução dos computadores, surgiram programas que conseguiam fazer beats,
recortar e editar samples, sem a ajuda de nenhuma máquina externa ou outro hardware
que não fosse seu computador. Muitos produtores hoje em dia usam de forma mista
hardwares externos e softwares. Mas muitos produtores fizeram suas carreiras apenas
usando seu computador, como o lendário 9TH Wonder. Fruity Loops, Ableton Live e
outros programas conseguiram revelar músicos que jamais seriam descobertos por não
terem dinheiro de comprar uma MPC ou outra sequenciadora digital. O Brasil é um
grande celeiro de artistas feras no Fuity Loops, como Laudz e Nave.
A arte de usar músicas de terceiros nasceu no mesmo dia que o rap. Kool Herc, usando
dois discos iguais, criou uma batida instrumental aonde dava seus salves no microfone.
O sample começou ao vivo e ficou assim por muito tempo. Como vimos no primeiro
episódio, o Hip Hop demorou anos para sair de rua e atingir os estúdios, o que
aconteceu apenas em 1979.
Neste ano, sairiam os primeiros discos de rap, e o mais marcante foi “Rappers Delight”, da
banda The Sugarhill Gang. A faixa continha linhas de baixo e alguns outros elementos
rítmicos da música Good Times, do Chic. Rappers Delight apresentou aos americanos
longe de Nova Iorque o Hip-Hop e, através do uso desse sample, conseguiu atrair tanto
o público classe A das discotecas, quanto os fãs de Hip-Hop. Foi um sucesso
instantâneo. A popularidade da música logo se espalhou pelo mundo e o rap
consequentemente se tornou um fenômeno global. Good Times, tinha feito sucesso mais
cedo no mesmo ano nas pistas de dança, o que ajudou muito nessa conexão do público
ao rap, fato que se repetiu no estilo em suas 5 décadas.
O sample continuou forte durante todo os anos 80, gerando refrãos e passagens
marcantes até hoje, mas a técnica realmente deu seus maiores passos nos anos 90, com
produtores como J Dilla, Madlib, Dr Dre e DJ Premier. Estes produtores elevaram o
sampling a novos patamares, desenvolvendo técnicas avançadas de manipulação de
amostras. O “chopping” (picando em inglês), que envolve cortar seções de uma amostra
e atribuí-las a notas MIDI separadas, tornou-se uma técnica comum entre os produtores
de Hip Hop, permitindo uma maior flexibilidade na criação de batidas e melodias
únicas. Tentando traduzir para uma linguagem mais leiga, eles começaram a criar notas
com os samples e as tocar como se fossem instrumentos, ampliando de forma absurda a
complexidade e a criatividade das batidas.
J Dilla, cujo verdadeiro nome era James Dewitt Yancey, é amplamente considerado um
dos melhores produtores de Hip Hop de todos os tempos. Mesmo sem nenhum grande
hit nas paradas de sucesso, e tendo deixando este mundo vítima de câncer com apenas
32 anos, o artista é considerado e uma lenda e sua abordagem deixou um legado
inestimável no rap nas últimas duas décadas. Sua abordagem única do sampling,
combinando elementos de jazz, soul e música eletrônica, influenciou uma geração
inteira de músicos. Faixas como “Donuts” e “Welcome 2 Detroit” exemplificam sua
habilidade magistral de criar paisagens sonoras envolventes usando samples
meticulosamente selecionados. Ele conseguia unir na mesma música notas no ritmo
certo e outras swingadas com ritmos próprios, uma técnica que foi essencial na
revelação de produtores como Kanye West e Hitboy.
Outro nome fundamental na história do sampling é DJ Premier, membro do lendário
duo Gang Starr. Suas produções distintas, caracterizadas por batidas pesadas, scratches
habilidosos e samples de soul ajudaram a definir o som do Hip Hop da Costa Leste.
Faixas clássicas como “Mass Appeal” e “NY State of Mind” mostram a maestria de
Premier no uso criativo de samples. Ele conseguiu dar uma sonoridade suja e de rua
para o rap, refletindo a estética do estilo na época.
O sample no Rap acabou tendo uma queda em sua popularidade, em parte por questões
legais, e também pelo uso de beats com timbres mais eletrônicos criados do zero,
principalmente por artistas do sul americano. Após um período de declínio na
popularidade, o sampling está experimentando um renascimento na última década, com
artistas como J Cole e Krendric Lamar fazendo amplo uso do sampling em suas
produções, mantendo viva a tradição do Hip Hop. No entanto, questões legais em torno
dos direitos autorais complicaram o processo de sampling, tornando-o mais desafiador
para os produtores obterem aprovação para o uso de suas músicas.
Hoje em dia, dificilmente um artista consegue se safar usando um sample sem autorização do
artista, até os próprios algoritmos das plataformas de streaming iram derrubar sua faixa se
perceberem que existe um pedaço claro de outra canção. Mas por muito tempo, produtores
simplesmente pegam pedaços de músicas que gostavam, e muitos não pagaram um centavo
até hoje. Mas não julgue os mesmos, por muito tempo, não havia outra opção. A legislação em
torno do sample demorou muito para ser criada, e sempre esteve pelo menos umas duas
décadas atrasada em relação ao que estava acontecendo nas ruas e nos estúdios.
Os anos 90 viram um mar de batalhas legais entre produtores, gravadoras, artistas, aonde os
juízes nos Estados Unidos não tinham a mínima ideia de como resolver estas tretas e fazer
todo mundo sair satisfeito da mesa de negociações. Com certeza, pelo menos 80% dos seus
rappers favoritos já foram processados por uso de sample, ou processaram outros artistas por
uso indevido de pedações de sua música. Hoje a legislação avançou, os próprios artistas
podem fazer suas negociações para clarear um sample de uma música, mas ainda envolve
muitas ações legais, e é uma das principais razões de atraso do lançamento de discos nos dias
de hoje.
Mas se o sample é uma fonte inesgotável de disputas judiciais, o mesmo também fez muito
dinheiro para artistas que tiveram suas músicas usadas por rappers e produtores.
Roy Ayers, uma lenda do funk soul e jazz, ganhou mais dinheiro com os samples de suas
músicas usadas em beats e filmes, do que com sua venda de discos em toda sua carreira. Por
mais que diversos artistas não receberam um centavo por suas produções, outras histórias
tiveram finais felizes. Sting, do The Police, recebe até hoje o equivalente a 5 mil dólares por dia
de Diddy, que usou sem autorização o refrão de um dos seus maiores hits, para homenagear
seu amigo, o lendário Notorious BIG.
O site -WhoSampled.com é a maior biblioteca de informação sobre samples na música, e seus
números e análises acabam contando um pouco a história de uma das formas de arte mais
fascinantes do ser humano.
Uma Música de 1969, chamada Amen, Brother é a faixa mais sampleada de todos os tempos.
Oficialmente, a canção do grupo de R&B e Soul foi usada para criar 2,637 novas obras. Esta é
uma das mágicas do sample, após sua invenção, nenhuma canção ficou mais estática, qualquer
faixa, lançada há um mês, ou com um século de história, pode gerar milhares de outras
músicas eternizando a obra original.
Este foi o Revolução Sonora de hoje, no próximo capítulo, vamos além do rap, falar de todos os
elementos do hip hop, e como eles conviveram e convivem ao longo destes 50 anos.
Episódio 4 – Além da Música – Os Outros Elementos do Hip Hop
Olá, este é o quarto episódio da série Revolução Sonora, aonde abordamos fatos marcantes
nestes 50 anos de Hip Hop. O Hip Hop, vai além do rap, une diversos outros elementos que
ajudaram a solidificar a cultura neste meio século. Este é um tema extremamente polêmico,
que renderia uma discussão eterna, afinal, quais são os 5 elementos do Hip Hop? Ou são
apenas 4 elementos do Hip Hop? Hoje em dia se fala em até 9 elementos. Mas antes de
dissecarmos um por um, vamos fazer a pergunta de um milhão de dólares:
Qual a diferença entre rap e Hip Hop?
A resposta pode ser óbvia para muitos, mas ainda gera muita treta e confusão. O público em
geral dificilmente sabe a diferença, pelo simples fato de que eles conhecem como Hip Hop é o
rap, representado pelos elementos do Mc e do DJ. O rap explodiu em popularidade na década
de 1980 e só continuou a crescer, é a parte mais visível da cultura hip-hop até hoje – daí a
razão pela qual os dois estão tão intimamente associados no imaginário popular.
Uma das melhores respostas para a pergunta “Qual a diferença entre rap e Hip Hop?”, veio do
lendário rapper do Bronx, KRS One. “Rap a gente faz, Hip Hop a gente vive.”
O rap é sem sombra de dúvidas um estilo musical, caracterizado pela recitação melódica de
rimas com acompanhamento de batidas musicais. A gama do rap é altamente variada, com
diversos estilos e estéticas.
As ideias e temas expressos através do rap são igualmente diversos, mas muitas vezes incluem
narrativas pessoais, ostentações, expressão política, insultos contra rivais e jogos de palavras.
O rap pode ser artístico, comercial e político, e muitas vezes caba sendo os três ao mesmo
tempo – um fato que certamente contribuiu para a sua popularidade. A origem da palavra,
falamos com meticulosidade no primeiro episódio.
O rap é Hip Hop, mas o Hip Hop Não é só o rap.
O termo hip-hop é comumente usado para se referir a um gênero musical, mas ele transcende
a música – o hip-hop é um fenômeno multi artístico cultural.
Estritamente falando, os historiadores do hip-hop muitas vezes apontam para um punhado de
elementos que consideram fundamentais e essenciais para o hip-hop como cultura, incluindo
MCing, DJing, breaking e graffiti, entre outros.
A visão do hip-hop como um movimento cultural não é baseada apenas na sua incorporação e
influência em outras formas de arte, como a dança, a moda e o cinema, mas também na sua
intersecção e impacto nos negócios, na linguagem, na política e ativismo.
O termo hip-hop é creditado ao músico Keith Wiggins, mais conhecido como “Keef Cowboy” ,
membro do lendário grupo Grandmaster Flash and the Furious Five. Mesmo sem podermos
provar esta teoria, de acordo com uma história popular, Wiggins estava rimando com um
amigo que ia entrar no exército e usou a frase “hip, hop, hip, hop” para imitar o som da
marcha. As letras de Wiggins se popularizaram com outros músicos, e a frase “hip-hop”
tornou-se intimamente ligada à cultura emergente. Eventualmente, a associação tornou-se tão
forte que a frase começou a ser usada como nome do fenômeno que não parava de crescer.
Mas afinal, quais são os elementos do Hip Hop
Os elementos do Hip Hop
Originalmente, a definição dos elementos do Hip Hop era baseada em 4 expressões artísticas.
O MC, o DJ, o Breaking e o grafite. Ainda nos primórdios do Hip Hop, o conhecimento foi eleito
como o quinto elemento da cultura.
Mas a definição que acabei de falar poder gerar ainda discussões e controvérsias, não é oficial.
O rap não é uma cultura estática que foi inventada e ficou guardada em um museu, o Hip Hop
vive, evolui, e acaba incorporando outros elementos.
O Beat Box, arte de criar batidas apenas com a boca, já foi citado como um elemento. Existem
listas hoje em dia que citam até 9 elementos. Moda, Gírias de rua, ativismo,
empreendedorismo urbano e até filmes estão entre eles. E todos estão mais que corretos.
Vamos agora falar um pouco sobre os primeiros pilares do movimento.
Mc
Como abordamos, e vamos abordar a arte de rimar em quase todos os episódios dessa série.
Seremos breve no episódio de hoje. O elemento oral do hip-hop é conhecido como MCing ou
rap. MC é a abreviação de mestre de cerimônias. No hip-hop, MCing é o ato de cantar ou rimar
ritmicamente enquanto um DJ toca as batidas. Diz-se que o MCing surgiu durante a década de
1970, mas suas origens remontam à cultura africana e às tradições orais e pode ter sido
influenciada por outras fontes, como vimos no primeiro episódio. Este é indiscutivelmente o
elemento mais popular do Hip Hop.
DJ
O DJ é o berço do Hip Hop. Kool Herc não era MC, era DJ. Por mais que hoje em dia as grandes
estrelas do gênero sejam mcs e produtores, os DJS dominaram a cena no começo do Hip Hop,
aonde o rapper era apenas uma peça para dar um brilho no show.
O DJ, abreviação para Disk Jockey, vem dos anos 40, muito antes do hip hop, mas a
contribuição do hip hop para o conceito de DJing foi significativa porque lhe deu maior alcance
e mais técnicas do que antes. Kool DJ Herc foi o primeiro DJ de hip hop ao separar “breaks”
nos álbuns, ou seja, a parte que enfatizava a batida sem vocais, e assim criou o hip hop.
Seguindo suas técnicas, outros DJs como Grandmaster Flash, Grand Wizard Theodore e
Grandmaster Caz também introduziram novos elementos como o scratch.
O Scratch é um dos sons mais marcantes do rap, não existiu sequer um fã do estilo que não
quebrou a agulha de sua mãe, ou riscou um disco do Roberto Carlos, tentando imitar os
arranhões de sua música de rap favorita. Esta técnica na cultura hip hop é usada para avaliar a
habilidade de um DJ, já que se espera que ele produza novos usando um toca-discos ao
manipular o crossfader em um mixer. O scracth é uma técnica extremamente complexa, que
possui até partitura musical.
O scratch é apenas uma das técnicas que o DJ presenteou o rap. Usando dois toca-discos, e um
mixer, que é um aparelho que mistura os dois sons, a criatividade do DJ é o limite, ele pode
fazer uma festa rodar sem parar equiparando a velocidade das músicas; o que conhecemos
por mixagem, usar vocal de uma música no instrumental de outra, O que conhecemos por
mash up e infesta as redes sociais, e até outras técnicas super avançadas aonde o DJ cria uma
batida ao vivo usando elementos diferentes da música.
Assim como no rap, o mundo dos DJs cresceu de forma muito competitiva e cheia de
rivalidades. O que começou nas ruas, acabou migrando para teatros e até estádios. As batalhas
e campeonatos de DJs são uma das facetas mais ferozes do Hip Hop. Esta arte se chama
turntablism.
O DMC, principal campeonato de turntablism do mundo, tem décadas de história e revelou
diversas lendas, além de ditar como os DJs tocariam ao longo dos anos. O Brasil tem um penta
campeão do DMC, o paulistano DJ Erick Jay. O Hip Hop DJ, evento extinto que era produzido
por KL Jay, dj dos Racionais, e o rapper Xis, fez história no Brasil e ajudou a revelar grandes
nomes do Hip Hop nacional que brilham nas pistas de dança até hoje.
O mundo do DJ de competição pode facilmente se tornar uma bolha, muitas vezes longe das
festas. O DJ de campeonato é o atleta do Hip Hop, diferente das rimas e produções, que são
obras abstratas e dificilmente podem ser julgadas com exatidão, um scartch errado é um
scracth errado, uma batida que ficou fora do tempo em uma performance, é uma batida fora
do tempo. Essa matemática da música faz com que os DJs treinem as vezes 18 horas por dia,
trancados sem seus quartos.
Assim como falamos antes, quando o hip hop surgiu, os DJs eram muito populares e
considerados as estrelas do hip hop, mas desde 1978 os MCs assumiram esse status em grande
parte devido à contribuição de Melle Mel, que fazia parte da equipe do DJ Grandmaster Flash.
No entanto, vários DJs notáveis conquistaram muitos seguidores na história do Rap. Nomes
populares incluem, além dos mencionados acima, Mr. Magic, DJ Premier, DJ Scratch, DJ Jazzy
Jeff, DJ Scott La Rock, DJ Premier, DJ Clue, DJ Khaled, DJ Pete Rock, DJ Muggs, DJ Clue, DJ
Craze, DJ Babu, DJ Primo no Brasil e DJ Q-Bert.
Muitos deles ficaram famosos por suas performances incríveis no turntablism, outros por
serem os melhores agitadores de festas, alguns ficaram conhecidos por seus beats, outros
como DJ Khaled sevem como produtores executivos e outros como são exímios em lançar
novas músicas. Antes da revolução digital, as mixtapes eram a melhor forma de você divulgar
seu som. Os DJS mais conhecidos eram procurados por artistas para incluírem suas novas
músicas em suas fitas que eram vendidas em lojas ou até do porta malas de seus carros. 50
cent vendeu milhares de copias de suas mixtapes em seu carro antes e assinar com Dr Dre.
Agora que falamos dos DJS, vamos ir além da música pela primeira vez neste podcast. Vamos
falar do breaking, que erroneamente ficou conhecido como break dancing.
Breaking
O Breaking também nasceu no mesmo dia do Hip Hop! O breaking foi criado por jovens pretos
e latinos no bairro do Bronx, em Nova York, na década de 1970, durante o surgimento da
cultura hip-hop. Um DJ chamado Kool Herc, também creditado como o pai do Hip Hop,
organizava festas no bairro, onde percebeu que os jovens dançavam de maneira mais
energética e dinâmica quando a parte instrumental das músicas, conhecida como “break”,
tocava. Foi então que Kool Herc começou a reproduzir duas cópias do mesmo disco,
misturando elas em dois toca-discos, para prolongar o break e dar mais tempo para os
dançarinos mostrarem seus movimentos sem que outras partes da música quebrassem o
ritmo. E assim nasceu o breaking, nomeado assim porque os dançarinos se apresentavam no
break da música.
A música é uma parte essencial do breaking, com os dançarinos se movendo ao ritmo de break
beats, funk, rap e soul. Muitas músicas clássicas se tornaram sinônimos do breaking, como
“Apache” da Incredible Bongo Band e “Give it up or turn it loose” de James Brown.
O breaking não demorou muito para chamar a atenção da mídia e do mundo. Na década de
1970, espalhou-se por toda Nova York, e logo os promotores e a mídia começaram a notar os
b-boys e b-girls dançando em festas, parques e clubes. O breaking começou a ganhar
exposição mundial quando grupos como o Rock Steady Crew apareceram em turnês europeias
e programas de televisão populares como o “Letterman”, uma espécie de Jô Soares americano.
O Rock Steady Crew, fundado por Jimmy Dee e Jimmy Lee, foi um dos grupos mais influentes
do breaking, ajudando a popularizar a dança em todo o mundo. Seus membros, como Ken
Swift, Crazy Legs e Frosty Freeze, se tornaram alguns dos dançarinos mais respeitados do
mundo.
No entanto, apesar da crescente popularidade do breaking, as comunidades que o criaram
muitas vezes não recebem o reconhecimento e o apoio que merecem até hoje. Norman
“Normanski” Scott, membro do Rock Steady Crew, acredita que é importante preservar e
celebrar a história do breaking, especialmente em comunidades afetadas pela desigualdade e
violência.
Por isso, Scott e outras organizações estão trabalhando para criar espaços onde jovens de
comunidades marginalizadas possam aprender e praticar o breaking, mantendo viva essa
importante forma de expressão cultural. O Braking é o elemnto do Hip Hop com mais
veteranos ativos lutando pela permanência da arte.
Este elemento do Hip Hop é frequentemente citado de forma errônea como breakdancing,
mas agora vamos esclarecer a nomenclatura correta.
Para começar, vamos entender de onde vêm os termos “B-Boy” e “B-Girl”. As pessoas que
dançavam nesses momentos específicos da música, no break, foram apelidadas de “break-
boys” e “break-girls”, o que acabou sendo resumido para “B-Boys” e “B-Girls”. Esses termos
estão ligados à essência do estilo de vida dentro da cultura hip-hop.
Por que é tão importante usar os termos corretos? Bem, para muitos jovens nas comunidades
periféricas, o breaking não era apenas uma dança, era um estilo de vida. Era sobre se vestir de
uma certa maneira, ouvir a música hip-hop, e estar imerso nos outros elementos da cultura.
Ser um B-Boy ou B-Girl significava mais do que apenas dançar, era ser parte de uma
comunidade e abraçar uma cultura. Muitos MCs e DJs começaram na dança, tanto nos Estados
Unidos, como no Brasil.
Agora, vamos esclarecer a diferença entre “breakdancer” e “B-Boy” ou “B-Girl”. Quando o
breaking começou a ganhar destaque na mídia, as pessoas passaram a usar o termo
“breakdancing” para descrever a dança, sem perceber que isso estava distante dos termos
originais. “B-Boying” e “B-Girling” são os termos corretos que refletem a verdadeira essência
da dança e sua conexão com a cultura hip-hop.
Portanto, da próxima vez que você se deparar com alguém que dança breaking, lembre-se de
usar os termos corretos: “B-Boy” ou “B-Girl”. E lembre-se de que o breaking é mais do que
apenas uma dança – é um estilo de vida e parte integrante da cultura hip-hop.
2024 é um ano gigante para o Breaking e também para o Hip Hop, pois a dança vai estar
presente como esporte competitivo pela primeira vez nas Olímpiadas de Paris. O Breaking ter
se tornado um esporte olímpico causou muita polêmica, com discussões entre dançarinos, fãs
e até os veteranos da cultua. O mesmo aconteceu com o Skate e o Surf, atividades que vão
além da prática esportiva, é mais um estilo de vida e uma arte.
Agora estamos caminhando para o último dos quatro elementos do Hip Hop, e um dos que
causa mais polêmica quando falamos de suas origens.
Grafitte
Agora vamos falar do Grafitte, e vocês devem estar se pergunta como existe polêmica. Vamos
fazer uma análise básica, os outros 3 elementos que conhecemos todos estão diretamente
relacionados com a música, nenhum existe sem a música. Já o Grafite, é uma arte
independente e sua participação como elemento do Hip Hop gera muitos debates.
Antes que taquem as primeiras pedras, é que o grafite e o Hip Hop influenciaram um ao outro
e tiveram milhares de encontros nestes 50 anos de história. Toda estética do Rap foi por
muitos anos baseada em tags e outras formas de arte de rua.
Mas a relação entre o graffiti e a cultura hip hop é complexa e frequentemente debatida entre
estudiosos, artistas e entusiastas. Enquanto alguns argumentam que o graffiti é parte
integrante da cultura hip hop, outros sustentam que o graffiti existia de forma independente
antes do hip hop emergir como um movimento cultural. E esta opinião não vem apenas de um
lado ou do outro, grafiteiros e rappers veteranos muitas vezes concordam neste ponto.
Alguns grafiteiros e historiadores argumentam que o graffiti é anterior à cultura hip hop e se
originou de forma independente em ambientes urbanos. Eles afirmam que o graffiti tem sua
própria história, técnicas e significado social, que vai além do hip hop.
Os críticos da ideia de que o graffiti está inerentemente ligado à cultura hip hop muitas vezes
apontam para o papel da mídia, especialmente filmes como “Wild Style”, um dos maiores
clássicos do Hip Hop, na popularização da associação entre graffiti e hip hop. Grafiteiros
importantes da década de 1970, como BLADE e FARGO, sugerem que a mídia difundiu a ideia
dos elementos, embora não representasse com precisão a realidade. O DJ e ícone pioneiro do
hip-hop Grandmaster Flash também questionou a inclusão do graffiti como elemento.
Os grafiteiros deram sua opinião no livro “The Concise Guide to Hip-Hop Music”, do jornalista
Paul Edwards.
FARGO: Não vejo a correlação. A correlação entre hip-hop e graffiti é coisa da mídia. E break –
eles colocam tudo isso em um pacote, para que possam identificar, colocam em uma caixa.
Não existe correlação entre hip-hop e graffiti, um não tem nada a ver com o outro.
BLADE: Eles juntaram hip-hop, breaking, rap, graffiti e todas essas coisas, porque é algo que
acho que eles pensaram que poderiam comercializar por qualquer motivo. Mas não tem nada
a ver com o material original, quando a escrita [graffiti] surgiu em 1970. Não tem nada a ver
com nada… isso é tudo coisa dos anos 80.
Um exemplo do combo dos elementos pode ser visto no clássico filme de hip-hop de 1983,
Wild Style. O filme teve uma grande influência na percepção das pessoas sobre o hip-hop e foi
um dos primeiros locais onde todos os elementos foram mostrados juntos. Porém, Charlie
Ahearn, que dirigiu o filme, afirma que ele não representava a realidade. Veja uma fala do
diretor em uma entrevista:
No verão de 1980, eu estava fazendo uma exposição de arte em uma casa de massagens
abandonada na Times Square. Fab 5 Freddy começou a conversar comigo sobre fazer um filme
sobre graffiti e rap [que se tornou Wild Style]. Wild Style é como uma fantasia, não é um
documentário. Tudo em Wild Style foi feito para o filme, era para projetar uma imagem. E as
pessoas viram essa imagem e a levaram adiante e construíram sobre ela, mas isso não estava
realmente acontecendo, estava apenas acontecendo para o filme.
Fab 5 Freddy, historiador de hip hop e artista de grafite estadunidense, discorda, ele acha que
o filme apenas afirmou uma realidade que acontecia nas ruas.
Sendo ou não uma forma de arte independente, é inegável que ela influenciou e influencia o
Hip Hop ao longo dos anos. Vamos falar mais um pouco desta forma de arte revolucionária
que dá vida às paredes cinzas de nossas cidades.
História do Grafite
A história do graffiti remonta aos tempos antigos. As primeiras pinturas em paredes
apareceram em cavernas milhares de anos atrás. Mais tarde, os antigos romanos e gregos
escreveram seus nomes e poemas de protesto em prédios. O graffiti moderno surgiu na
Filadélfia no início dos anos 1960. Darryl McCray (‘Cornbread’) é amplamente considerado o
pai do graffiti moderno. A história conta que Cornbread se apaixonou por uma garota chamada
Cynthia Custuss e começou a escrever Cornbread Loves Cynthia para chamar sua atenção. Ele
gostou tanto que continuou a marcar a Filadélfia com seu nome.
No final dos anos sessenta, o graffiti chegou a Nova York. A nova forma de arte decolou na
década de 1970, quando as pessoas começaram a escrever seus nomes, ou tags, em prédios
por toda a cidade. Em meados dos anos setenta, era difícil ver pela janela de um vagão de
metrô, pois os trens estavam completamente cobertos por pinturas em spray conhecidas
como throw ups, letras e outras obras. Nos primeiros dias do movimento, os taggers faziam
parte de gangues de rua que estavam preocupadas em marcar seu território. Eles trabalhavam
em grupos chamados ‘crews’. O termo ‘graffiti’ foi usado pela primeira vez pelo The New York
Times e pelo romancista Norman Mailer. Galerias de arte em Nova York começaram a comprar
graffiti no início dos anos setenta.
Mas ao mesmo tempo em que começou a ser considerado uma forma de arte, o prefeito de
Nova York declarou a primeira guerra ao graffiti. Na década de 1980, tornou-se muito mais
difícil grafitar nos trens do metrô sem ser pego, muitos artistas de graffiti estabelecidos
começaram a usar os telhados dos prédios ou telas. O debate sobre se o graffiti é arte ou
vandalismo ainda está em andamento em setores mais conservadores da sociedade até hoje.
Por décadas, o graffiti tem sido um trampolim para a fama internacional para alguns artistas
de rua. Jean-Michel Basquiat começou a pulverizar na rua na década de 1970 antes de se
tornar um artista respeitado nos anos 80. O francês Blek le Rat e o artista britânico Banksy
alcançaram fama internacional produzindo obras complexas com estênceis, muitas vezes
fazendo pontos políticos ou humorísticos. Obras de Banksy foram vendidas por mais de
£100.000.
O graffiti como uma forma de expressão artística, é frequentemente associada a subculturas
como rebelião contra a autoridade. O graffiti em suas origens era usado para exibir
publicamente as expressões artísticas em resposta à falta de acesso a museus e instituições de
arte, e à contínua luta, discriminação e dificuldades de viver na cidade.
Como o graffiti é ilegal na maioria dos casos, essa forma de arte floresceu no underground,
exigindo pouco dinheiro e proporcionando uma oportunidade de expressar o que muitas vezes
é excluído das histórias e mídias dominantes.
No Brasil, o grafite chegou nos anos 70, no auge da repressão do estado contra qualquer tipo
de ideia subversiva.
O Brasil tem também uma das manifestações culturais mais pitorescas da arte urbana, o pixo.
O pixo é tão complexo e único ao Brasil que precisaríamos de um episódio inteiro para falar
dessa prática dos nossos grandes centros urbanos. Talvez a gente trabalhe nisso em alguma
série futura.
Agora que fechamos os 4 pilares básicos, vamos um pouco do quinto elemento, o
conhecimento.
Esse elemento é fundamental para entendermos toda a cultura que surgiu nas ruas de Nova
York na década de 1970.
Ao lado dos quatro elementos tradicionais do hip hop – MCing (rapping), DJing, arte do graffiti
e breaking – o conhecimento serve como a base sobre a qual toda a cultura é construída.
Essa ideia do conhecimento como o quinto elemento do hip hop foi introduzida por Afrika
Bambaataa, uma figura pioneira no movimento hip hop. Bambaataa é amplamente
reconhecido como um dos pais fundadores da cultura hip hop, especialmente por seu papel
em disseminar os princípios de paz, união, amor e diversão.
A ideia por trás do conhecimento como o quinto elemento do hip hop vem do reconhecimento
de Bambaataa sobre a importância da educação, autoconhecimento e compreensão cultural
dentro da comunidade hip hop. Ele enfatizava a necessidade de os envolvidos no hip hop
conhecerem sua história, tanto dentro da cultura quanto no contexto mais amplo das
questões sociais e políticas.
Bambaataa incentivava os praticantes de hip hop a estudarem não apenas a música, dança e
formas de arte visual associadas à cultura, mas também a se aprofundarem em temas como
história africana, espiritualidade, educação, gerenciamento de négocios e lutas globais por
justiça social. Ele acreditava que, ao promover o conhecimento e a autoconsciência, o hip hop
poderia capacitar comunidades marginalizadas e promover mudanças positivas na sociedade.
Na prática, o conceito de conhecimento como o quinto elemento do hip hop se manifesta de
várias maneiras dentro da cultura. Os artistas de hip hop frequentemente incorporam temas
de consciência social, herança cultural e principalmente reflexão pessoal em suas letras e arte
visual. Além disso, muitos praticantes de hip hop se envolvem em iniciativas de alcance
comunitário, educação e ativismo com o objetivo de abordar questões sociais e promover
mudanças positivas.
O conceito de conhecimento como o quinto elemento do hip hop destaca o compromisso
profundo da cultura com o crescimento intelectual, a consciência cultural e o empoderamento
social. Ele serve como um lembrete de que o hip hop não é apenas uma forma de
entretenimento, mas também um veículo para educação, esclarecimento e transformação
social.
Este foi o quarto episódio da série Revolução Sonora: 50 anos de Hip Hop. No próximo
episódio vamos mergulhar em um assunto delicado, mas que acompanha o rap desde os
primórdios, os encontros e desencontros do Hip Hop com a lei e a violência.
Episódio 5 – Hip Hop Police – A Violência no Rap e seus encontros e desencontros com a lei
Olá ouvintes, este é o quinto episódio da série Revolução Sonora: 50 anos de Hip Hop. No
episódio de hoje, vamos falar de uma praga que persegue o rap desde os seus primórdios e até
hoje faz vítimas no movimento; a violência. Também vamos falar dos encontros e
desencontros do Hip Hop com a polícia.
O rap, como fenômeno cultural, transcendeu as fronteiras geográficas e as normas sociais para
se tornar um dos gêneros musicais mais influentes da era moderna. No entanto, em meio às
suas batidas rítmicas e proezas líricas, o hip hop tem sido frequentemente julgado por sua
representação e, às vezes, pela perpetuação da violência.
Como disse o rapper Chuck D, veterano do grupo Public Enemy, o rap é a CNN do gueto. Pela
primeira vez na história da música, assuntos como brutalidade policial, guerra entre gangues e
racismo do estado foram postos à mesa de maneira tão clara e bruta. Não só na música esses
assuntos nunca vieram à tona de forma explicita, muitas dessas pautas jamais chegavam às
grandes mídias, ou eram reportadas sem mostrar o lado da rua.
Fazendo o papel do advogado do diabo, temos que admitir que é inegável que o rap não
apenas fala da violência, infelizmente, nestes 50 anos de história, o rap viveu e sobreviveu à
violência. Os rappers utilizam linguagem e imagens violentas não só para denunciar o que
acontece nas zonas mais esquecidas da cidade, mas também como meio de afirmar sua
autenticidade e credibilidade nas ruas. Esta autenticidade, muitas vezes enraizada em
experiências de violência e sobrevivência, repercute em públicos que enfrentaram
circunstâncias semelhantes. Esta relação fica clara com tantas baixas de gênios da música na
história do rap. Acabar com a violência no rap por completo é uma missão nobre, mas um
tanto utópica. A violência só vai acabar no rap quando a violência sumir de todas as quebradas
que tem pelo menos um rimador.
Muitos rappers famosos morreram ao longo da caminhada do Hip Hop, e continuam sendo
mortos. Obviamente, quando se pensa em violência no rap, logo vem à cabeça Tupac e Biggie.
Rappers famosíssimos que foram assassinados nos anos 90, ambos crimes ainda sem solução,
que geraram centenas de teorias, umas mais conspiratórias, outras que estão se tornando
verdade em uma investigação recente do FBI. Mas a lista de rappers assassinados é gigante, e
na grande maioria dos casos, nenhum culpado acabou atrás das grades. Vamos relembrar
apenas alguns dos mais famosos.
Em 1987, quando o Hip Hop completava 14 anos, o movimento chorou por sua primeira
vítima. Scott “La Rock”, DJ do grupo Boogie Down Productions, morreu após ameaças de rivais
com um tiro recebido dentro de sua Cherokee. Seu álbum, Criminal Minded, foi escolhido
como um dos 500 melhores de todos os tempos pela Rolling Stone. O Grupo Boogie Down
Productions também era composto pelo lendário MC KRS One, que depois da morte do
parceiro, virou um dos maiores ativistas contra a violência do rap na história, vamos falar mais
sobre estes movimentos mais tarde neste episódio.
Os anos 80 viram outra figura importante do rap partir, Paul C foi assassinado em 1989, em
seu apartamento no Queens. O produtor trabalhou com rock e também é responsável pela
evolução do sample no rap, seu assassinato nunca foi solucionado.
Os anos 90 não foram mais amenos. A Califórnia vivia seus dias mais sangrentos que custaram
a vida de muitos artistas. Seagram, rapper de Oakland, morreu assassinado em sua cidade
natal em 1996. No mesmo ano, o mundo perdia Tupac, que morreu após dias internado na UTI
depois de sofrer um atentado a bala depois de uma luta de Mike Tyson.
Seis meses depois, outro gigante nos deixava. Em março de 1997, Notorious Big foi
assassinado em Los Angeles, na Califórnia. O que muitos acreditam ser uma retaliação à morte
de Tupac, nenhum dos dois casos foram solucionados até hoje.
No final do anos 90, assim como o rap, a violência começou a migrar para o Sul dos Estados
Unidos. O rapper Fat Pat foi assassinado em Houston
Em 1999, o rap perdia Big L, considerado por muitos um dos rappers mais injustiçados da
história do gênero, sua habilidade vocal deveria ter levados seu nome junto a patamares de
Jay Z, Tupac e Notorious BIG. Big L foi assassinado no Harlem.
Os anos 90 ainda levaram Freaky Tah, da banda Lost Boyz e o rapper Bug, do grupo D-12, lugar
depois ocupado por Eminem.
A década mais violenta do rap acabou, mas as mortes continuaram nos anos 2000. Começando
por uma perda gigante em 2002. Jam Master Jay, DJ e co-fundaopr do RUN-DMC, foi
assassinado em seu próprio estúdio, crime que foi solucionado ano passado com a prisão de
seu sobrinho em uma negociação de drogas que deu errado.
Os anos 2000 também levaram um dos maiores rappers brasileiros de todos os tempos. Em
2003, Sabotage foi morto com 4 tiros após deixar sua mulher no trabalho.
Outra duras baixas nessa década foram a morte do lendário Mac Dre, um dos pioneiros do
West Coast Gangsta Rap, assassinado após um show em Kansas City, e do rapper de New
Orleans Soulja Slim, um dos veteranos na estética sulista do Hip Hop.
Em 2006, o grupo de Detroit perdia seu segundo membro, Prooof, MC do grupo D-12, e
melhor amigo do Eminem, foi assassinado em uma treta depois de uma balada.
A violência não parou. Em 2013, o MC de funk Daleste foi assassinado em São Paulo em cima
do palco. Em 2018, foi a vez do polêmico XXXTentacion, assassinado em um roubo quando saia
de uma revendedora de motos com uma bolsa cheia de dinheiro. Em 2019, foi a vez do
talentosíssimo Nipsey Hussle, um proeminente rapper da costa oeste que estava ressuscitando
o estilo em Los Anegles.
2020 levou o artista Pop Smoke, outro talento que estava no começo de carreira e era
gerenciado pelo 50 cent. Smoke foi morto por cinco bandidos mascarados que invadiram uma
casa que ele estava alugando em Hollywood Hills.
A última vítima famosa da violência foi o rapper Takeoff, do grupo de Trap Migos. Um dos
grupos mais famosos e bem-sucedidos da atualidade.
O rap reagiu diversas vezes, com movimentos como O Stop The Violence do KRS-One. Snopp
Dogg e Ice Cube também agiram depois da morte de 2 Pac, os rappers chegaram a fazer
conferências com gangues rivais tentando estabelecer uma trégua nas ruas de Los Angeles.
Todos os tristes crimes acima tiveram motivações diferentes e aconteceram em situações
diversas, mas existe um fator em comum em praticamente todos eles. A falta de solução do
caso e uma má vontade da polícia em achar os culpados.
E nesse contexto, que começamos a segunda metade do nosso episódio.
Hip Hop Police
Olhando o histórico de violência dentro do rap, a lei tinha motivos de sobra para ficar de olho
no movimento e nos crimes que estavam acontecendo em seus mais altos escalões. Mas
também olhando na história, essa preocupação estava longe de ser genuína, servindo muito
mais como uma ferramenta de controle do que um conjunto de ações para garantir a
segurança das comunidades e da cultura que não parava de crescer. O estado usou a lei contra
o rap para tudo, menos para buscar justiça. Os desencontros da lei com a cultura preta não
começaram com o Hip Hop, mas nele se intensificaram aumentando os tentáculos da censura
sob uma cultura popular.
A história da polícia na música preta é uma jornada dolorosa e frustrante. Billie Holiday morreu
algemada à sua cama no hospital, sua luta contra o vício em drogas a criminalizou. Ela não foi
presa por machucar alguém ou cometer violência. Billie foi fisgada por um informante negro
do FBI que a fez cometer uma série de crimes e acabar sua trajetória brilhante e trágica da
forma mais deplorável possível.
Desde que o jazz se tornou popular, a polícia, na época de maioria absoluta branca, tem sido
uma presença constante no meio artístico preto, muitas vezes agindo de forma injusta.
Thelonius Monk, um pianista incrível, foi preso injustamente por causa de drogas que seu
amigo tinha. Eles até o culparam e ele perdeu a licença para tocar em clubes.
E não parou por aí. Monk foi brutalizado pela polícia várias vezes. Em uma ocasião, ele
simplesmente queria um copo de água em um café, mas foi maltratado e preso. Mesmo
quando ele era famoso e rico, a polícia continuava o incomodando, perguntando se ele havia
roubado seu carro caro que tinha conquistado com seu trabalho duro.
Max Roach e Oscar Brown Jr. criaram uma música poderosa sobre a luta dos pretos nos
Estados Unidos, logo foram proibidos de tocar em muitos lugares. Eles foram boicotados e
suas carreiras foram prejudicadas só porque estavam falando a verdade.
Essa perseguição continuo ao longo dos anos, se atenuando no Rap. Mas qual é a diferença? A
diferença é que o rap alcançou lugares que o jazz sequer sonhou em chegar. O rap não tinha
amarras como o Jazz, os protestos, antes feitos de forma velada com diversas referências e
duplos sentidos, estavam sendo rimados com clareza e força.
A polícia não queria investigar um ou outro individuo, mas acertar no movimento como um
todo. Essa luta continua até hoje, e o Hip Hop não tem muitos motivos para comemorar.
A treta entre o rap e a polícia demorou alguns anos para tomar forma. Quando os Mcs
animavam festas e davam salves no microfone, o estado sequer teve o trabalho de olhar mais
de perto o que estava acontecendo nas periferias de Nova Iorque. O que mudou vagamente
com a música The Message, do Grandmaster Flash and the Furious Five. Esta faixa de 1982 é
considerada a primeira com uma reflexão social e política, mesmo feita de forma sutil.
Flash cantou no clássico que fez muito sucesso na época e ajudar a cimentar o rap ao redor do
mundo.
Cacos de vidro em todos os lugares
As pessoas urinando nas escadas,
você sabe que eles simplesmente não se importam
Eu não suporto o cheiro, eu não suporto o barulho
Não tenho dinheiro para me mudar,
acho que não tenho escolha.
Ratos na sala de estar, baratas nos fundos
Um drogado no beco com um taco de beisebol
Eu tentei fugir, mas eu não cheguei longe
Porque o homem com o guincho levou meu carro
O FBI começou a abrir os olhos com o Hip Hop, principalmente porque muitos destes artistas
eram filhos ou sobrinhos de pessoas importantes dos movimentos negros das décadas de 60 e
70, como os Black Panthers. Mas o estado ainda via como uma manifestação cultural de certa
forma inofensiva e protegida pela liberdade de expressão.
Mas no final da mesma década, essa dinâmica ia mudar totalmente. No final dos anos 80,
surgiu o gangsta rap. O subgênero mais polêmico, lucrativo e popular do estilo nos seus 50
anos de história.
O Gansgta Rap não chegou comendo pelas beiradas, chegou literalmente enfiando o pé na
porta com a música “Fuck the Police”, de 1988, da banda de Los Angeles NWA.
A canção serviu como uma crítica contundente à brutalidade policial e ao perfil racial,
colocando o grupo no centro das atenções e atraindo a ira das agências policiais em todo
o país.
Fuck tha Police é uma parodia de processos judiciais aonde Dr. Dre é um juiz ouvindo
uma acusação contra o departamento de polícia, que acaba sendo culpado pelo júri. Esta
inversão de papeis recheada de duplo sentido, acusações e palavrões foi o estopim para
uma guerra que dura até hoje.
O FBI agiu prontamente, escrevendo uma carta aberta à gravadora do NWA,
condenando a música por representar de forma pejorativa as forças policiais em todo os
país. O estúdio do NWA começou a ser monitorado constantemente, e diversos
membros do grupo e da equipe técnica eram alvos de inspeção policial assim que
deixavam o local.
Ice T também foi um rapper da costa oeste que causou furor nas forças policiais, indo
além do NWA, na faixa Cop Killer, de sua banda de rock pesado Body Count.
Uma banda de Heavy Metal apenas com pretos não era algo normal, mas o Body Count,
liderado pelo já famoso rapper Ice T, impressionava não só por isso. Com uma fusão de
som pesado com Hip Hop, e riffs contagiantes, Body Count conseguiu angariar fãs de
diversas tribos da música pela sua energia e técnica apurada. Mas uma música em
especial em seu disco de estreia, Cop Killer iria causar uma das maiores polêmicas do
gênero em sua história.
A música sobre matar policiais foi duramente criticada por George W Bush, e seu vice,
Dan Quayle, o que desencadeou diversas campanhas de boicote em todo o país. Rádios,
clubs e muitas lojas acabaram cedendo, A gravadora, mesmo sob pressão do FBI, se
negou a tirar a faixa do disco, com medo de abrir um precedente perigoso na liberdade
de expressão.
No fim, Ice T acabou retirando os discos das prateleiras, e o relançou sem a faixa
polêmica, que anos depois foi distribuída gratuitamente na Internet. O rapper foi alvo de
diversas investigações do FBI e sua casa foi revistada uma dezena de vezes.
Alguns de vocês pode estar achando que toda essa perseguição pode ser de certa forma
justificada pelas letras dos rappers e pelos casos de violência no movimento. Mas agora
vamos mostrar um caso que pode fazer você repensar essa opinião.
Primeiro, vale relembrar, bandas punks, e até Bob Dylan, fizeram músicas contra a
polícia, usando violência sem suas letras. Mas o rap sempre teve um tratamento
especial, e isso ficou provado com um artigo do Miami Herald, nos anos 2000.
Era de conhecimento popular que o Departamento de Polícia de Nova Iorque tinha uma
divisão secreta chamada Hip Hop Police, sim, um grupo tarefa feito especialmente para
vigiar e policiair artistas de Hip Hop. A polícia não admitiu tal grupo na época, mas
depois que foi escancarado, mudou o nome para “Divisão de Entretenimento”, sendo
que o único alvo era o rap. As ruas já sabiam que eles existiam e faziam rondas diárias
em volta de estúdios e casas de rappers, os parando constantemente para averiguações
sem motivo.
A reportagem do Miami Heral finalmente jogou luz na situação, provando que tais
unidades realmente existiam, e a polícia de Nova Iorque estava colaborando com a
polícia de Miami para investigar rappers e outras figuras da cena. O mais chocante, foi a
reportagem apontar que existia um livro secreto do rap, aonde mais de 100 artistas
tinham sua privacidade violadas e seus passos vigiados e anotados por diversos agentes
da lei, sem nenhuma autorização judicial. Esta lista incluía grandes nomes como Jay Z,
Fat Joe, Bone Thugs N Harmony entre outros.
Esta vigilância conseguiu colocar muitos rappers na cadeia, se analisarmos o histórico
dos julgamentos e investigações, era claro que era uma violação dos direitos civis e uma
perseguição direta ao movimento que mais crescia nos guetos americanos. O objetivo da
Hip Hop Police não era deixar a cultura mais segura, ou acabar com a violência, e sim,
prender os maiores nomes do estilo.
A técnica conhecida como fishing, aonde a polícia usa informantes subalternos de
grandes rappers que cometeram pequenos delitos para fisgar os peixes grandes, foi
usada de forma covarde contra o rap durante anos. Um produtor que tinha trabalhado
com Snopp Dogg, e vendia maconha para aumentar sua renda, acabou pegando 54 anos
de prisão por uma venda de 900 dólares da erva, uma sentença já considera totalmente
absurda na época. Ele não quis entregar o Snopp Dogg, o FBI ofereceu liberdade se ele
plantasse drogas no rappper. Ele negou e acabou sendo condenado em um juro
composto apenas por mulheres brancas de mais de 50 anos. O produtor acabou
recebendo um perdão parcial de Barak Obamam, e depois um perdão completo de
Donald Trump.
É leviano pensar que a políca utilizava o fishing apenas com parceiros desconhecidos. O
rapper Progidy, da banda Mobb Deep, quando estava preso, foi tentado por ganhar
liberdade imediata caso dedurasse seu patrão na época, 50 cent, dono da gravadora G
Unit. O FBI estava tentando de tudo para colocar as mãos em 50 cent, um gansgta
rapper que estava ressuscitando o estilo que foi pesadelo da lei na década passada. 50
cent é uma das mentes mais brilhantes do rap, e sabia que estava seria perseguido e
tinha encarando essa mudança de vida com seriedade, então, o FBI acabou jogando
baixo para prender a estrela, o que jamais aconteceu.
A Hip Hop Police não morreu, na verdade está cada vez mais poderosa e usando
artifícios nada morais para prender rappers.
Na última década, uma nova tática está sendo comum nos tribunais americanos, as letras
dos rappers acusados de crimes estão sendo usadas como provas. Isso mesmo que você
ouviu, as letras estão sendo usada como provas concretas pela acusação.
A discussão voltou à tona no ano passado, no julgamento de um dos maiores nomes do
Trap na atualidade, Young Thug, ele e seus amigos estão sendo acusados de mais de 50
crimes, e o juiz autorizou o uso de suas letras como prova na maioria deles. A ação
despertou a ira entre grandes rappers, que fizeram diversas declarações, inclusive uma
carta aberta chamada Art on Trial: Protect Black Art: 9em português, arte em julgamento:
proteja a arte preta) que continha a assinatura de nomes como Drake, Megan Thee
Stallion, John Legend, Post Malone, 21 Savage e Quavo.
Mas essa prática não começou em 2023. Não é incomum que promotores usem letras de
rap como prova em julgamentos criminais, segundo pesquisadores da Universidade de
Richmond, que documentaram pelo menos 500 casos de 2009 a 2019 no livro “Rap on
Trial: Race, Lyrics, and Guilt in America”.
No início deste ano, a Califórnia se tornou o primeiro estado a restringir o uso de letras
de rap como prova durante os julgamentos. O Senado de Nova Iorque aprovou o projeto
de lei “Música Rap em Julgamento” que, se aprovado pela assembleia de Nova Iorque,
limitaria o uso de letras de rap num tribunal. Foi apoiado por artistas como Jay-Z, Meek
Mill, Killer Mike e Fat Joe. Atualmente, na assembleia de Nova York, está sendo
discutida a Lei de Restauração da Proteção Artística (RAP), que pode blindar os rappers
de terem suas obras usadas em julgamentos.
Esta talvez seja a maior ameaça que o rap já sofreu, é imaginável tal prática em outras
formas de arte. Você imagina ver Marlon Brando sendo preso acusado de ser um
mafioso? Tarantino vendo cenas de Pulp Fiction na tela de um tribunal em uma
acusação de um crime? Ou escritores sendo responsabilizados por histórias de ficção
que retratam algumas das facetas mais degradantes da sociedade?
Com este questionamento, fechamos este longo episódio de hoje.
Semana que vem tem mais treta, não com a polícia, mas com a política. Veremos como
o rap foi negado por todas correntes ideológicas e depois foi coagido por muitos
políticos para conseguir votos nas eleições.
Este foi o quinto episódio da Revolução Sonora, uma série em 7 episódios que faz
analises profundas dos cinquenta anos do Hip Hop.
Episódio 6 – RAP X POLÍTICA – A relação do Rap com apolítica nos 50 anos do gênero
Política
arte ou ciência de governar.
Política
arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados.
O rap é político, o rap é política, o rap já foi perseguido por políticos, o rap já serviu de
palanque para político, o rap já lutou contra leis e aprovou outras, mas também foi coagido a
aceitar imposições do sistema por uma meia dúzia de dólares ou likes.
Se você, que escutou o episódio passado e achou que a relação do rap com o braço armado do
estado, a polícia, foi complicada, a relação do Rap com o políticos e ativistas é ainda mais
complexa, com infinitas camadas. Vamos tentar abordar algumas delas nesse episódio.
Este é o sexto episódio do Revolução Sonora, uma série de dez capítulos abordando assuntos
relevantes nestes 50 anos de Hip Hop.
A música negra sempre teve um papel importante na luta por direitos civis dos afro-
americanos nos Estados Unidos. Desde os tempos da escravidão, quando os escravos criavam
canções para transmitir mensagens secretas, até os dias de hoje, a música tem sido uma
poderosa ferramenta de expressão política.
O rap foi o primeiro gênero musical a surgir após o Movimento pelos Direitos Civis, e suas
letras diretas e impactantes refletiam a realidade dos negros nos EUA.
No entanto, o rap também foi criticado por suas letras que muitas vezes abordam temas
violentos, misóginos e homofóbicos. Apesar disso, muitos estudiosos reconhecem que o rap
deu voz às frustrações e sentimentos dos negros, abrindo caminho para discussões mais
amplas sobre questões importantes que não tinha outra plataforma para virem a tona.
Além disso, o rap também teve um impacto político significativo, especialmente entre os
jovens negros, influenciando sua opinião e ideologia. Estudos mostram que espaços informais,
como barbearias, igrejas e programas de rap, desempenham um papel importante na
formação das opiniões políticas dos negros, especialmente dos jovens.
O Rap teve durante décadas uma relação complexa com a política nos Estados Unidos e no
mundo, principalmente com políticos. Começando como a CNN do gueto, e um meio para
expressar as esperanças e frustrações de uma comunidade marginalizada, o hip-hop passou de
bater à porta do mainstream para se tornar o mainstream. E ao longo dos anos, o hip-hop
evoluiu de odiar o presidente – e vice-versa – para jantar com o presidente.
Depois de algumas décadas, a política admitiu que os MCs eram a voz de diversas gerações.
Antes censurados e perseguidos, rappers começaram a ser convidados para palanques,
tiveram suas músicas usadas em comícios, e principalmente, os votos dos seus fãs disputados
com voracidade por republicanos e democratas.
O rap não foi o primeiro estilo musical a ser perseguido, tão pouco os rappers foram os
primeiros músicos a serem criminalizados.
No início do século 20, com o crescimento da popularidade do jazz e do blues, houve um
aumento na censura musical. Pioneiros do jazz como Count Basie e Duke Ellington
enfrentaram críticas, com sua música sendo chamada de “música da floresta” e “música do
diabo”, especialmente à medida que o público branco, principalmente os jovens, se
interessava pela música negra.
Na década de 1950, a música “Love For Sale” de Billie Holiday foi proibida de tocar no rádio por
seu tema sobre prostituição. Revistas como Billboard e Variety, recheadas de rappers nos dias
de hoje, pressionaram pela censura de letras em músicas de rhythm and blues. Em alguns
lugares, como no norte do Alabama, até mesmo surgiram alegações de que o rock ‘n’ roll fazia
parte de um plano para misturar raças na América.
Avançando para a década de 1960, a música de Bob Dylan enfrentou proibições em estações
de rádio do Texas devido a preocupações com mensagens ofensivas. A música “How Would
You Feel” de Jimi Hendrix, que abordava a injustiça racial, também recebeu pouco destaque.
Na década de 1970, ta censura prosseguiu. A organização do Rev. Jesse Jackson fez campanha
contra a disco music, alegando que promovia promiscuidade e uso de drogas, mas o esforço
não ganhou muita força.
No início da década de 1980, a Mercury Records não lançou a música “I Don’t Wanna Get
Drafted” de Frank Zappa temendo reações contra o alistamento militar.
Com o Rap, a censura tinha o alvo perfeito e agiu com força. E se engana quem acha que o
fogo veio apenas de políticos conservadores ou nacionalistas brancos, ambos conhecidos por
pressionar e legislar contra rappers e o movimento em si por décadas. O rap, principalmente o
gansgta rap, recebeu muito fogo de progressistas, e de políticos e ativistas negros.
Jesse Jackson, um pastor batista e ativista político norte-americano, conhecido por participar
ao lado de Martin Luther King, Jr. da luta pelos direitos civis para os negros nos EUA, era uma
das vozes mais fortes contra o Gangsta Rap, argumentando que o gangsta rap prejudica o
progresso alcançado pelo movimento pelos direitos civis, perpetuando estereótipos
prejudiciais e glamorizando o comportamento criminoso.
Maxine Moore Waters, uma das maiores políticas negras do Estados Unidos, e ativa até hoje
aos 85 anos, introduziu uma legislação destinada a regular o conteúdo das letras de música e
dos vídeos, ela também defendeu o aumento do financiamento para programas que
proporcionam formas alternativas ao rap de expressão artística.
Barbara Lee, outra negra pioneira na política americana, tinha críticas mais construtivas, como
a necessidade de mais diversidade e representação na indústria musical para neutralizar os
estereótipos negativos perpetuados pelo gangsta rap.
Ela apoiou iniciativas para promover mensagens positivas na cultura hip-hop.
Kwame Kilpatrick, ex prefeito de Detroit, a décima cidade mais violenta dos Estados Unidos,
também sempre foi uma voz ativa contra o Gangsta Rap e a forma que os artistas estavam se
expressando.
A mídia reacionária americana também jamais perdoou o Hip Hop de criticismos e
perseguição, figuras caricatas como Rush Limbaugh e Bill O’Reilly se manifestaram contra o
hip-hop quase semanalmente eu seus programas de rádio ouvido por milhões de americanos.
Rappers foram humilhados em entrevistas ao vivo na Fox News, e muitas vezes agiam com
sarcasmo diante das ofensas.
Rap e o Políticos.
O rap, em seu país berço, viveu sob 10 presidências. O republicano Richard Nixon, mal viu o
movimento, saindo do posto mais alto de Washington em 1974, em razão de um dos maiores
escândalos de corrupção, em uma época aonde o Hip Hop sequer tinha saído do Bronx. O
mesmo podemos falar do republicano Gerald R. Ford, que presidiu o país entre 74 e 77, época
em que o movimento era totalmente underground e dava seus primeiros passos na mídia.
Ford deu lugar a um democrata, Jimmy Carter, considerado um membro mais progressista do
partido que governou os EUA entre 1977 e 1981. Época em que o rap estava saindo da toca e
começando a ser conhecido além das fronteiras de Nova Iorque. Embora não haja registros
específicos de interações diretas entre a administração Carter e o movimento hip-hop, as
letras das músicas frequentemente refletiam as realidades vividas nessas comunidades,
abordando temas como desigualdade, brutalidade policial, falta de oportunidades e injustiça
social. Embora programas sociais e econômicos tenham sido implementados para lidar com
essas questões, muitas comunidades continuaram a se sentir marginalizadas e negligenciadas.
Carter não conseguiu se reeleger. No auge da Guerra Fria, o democrata era considerado fraco
para lidar com os desafios internacionais, a crise dos reféns americanos no Irã, e a expansão da
União Soviética invadindo o Afeganistão, pioraram a situação do democrata, que tinha
opositores dentro do próprio partido e uma economia indo de mal a pior.
Mas estes não foram os únicos fatores que fizeram Carter não se reeleger, seu sucessor, um
ex-ator republicano, acabou se tornando um dos presidentes mais populares e controversos
dos Estados Unidos e tem um papel crucial da formação do rap.
Ronald Reagan governou os Estados Unidos durante dois mandatos, de 81 até 89, se
reelegendo com quase 60% dos votos. Nas comunidades mais pobres do país, sua
popularidade era questionável.
Uma das principais fontes de tensão com as comunidades negras e latinas foi a política
econômica do governo Reagan, caracterizada por cortes de impostos para os mais ricos e
redução do tamanho do governo. Os Estados Unidos presenciaram um crescimento absurdo na
economia, um fortalecimento sem precedentes no poderio militar e um investimento histórico
em conflitos ao redor do mundo para frear a expansão da influência soviética em todos os
continentes. Estes fatores, aliados a uma luta pelas pautas da família tradicional, fizeram e
Reagan um dos políticos mais populares até hoje entre os conservadores americanos. Mas o
milagre econômico e a escalada na Guerra Fria de Reagan tiveram seus efeitos colaterais nas
partes mais pobres da cidade.
Essas medidas resultaram em cortes drásticos nos programas de assistência social, educação e
moradia, que muitas vezes eram fundamentais para as comunidades negras e latinas. Como
resultado, essas comunidades enfrentaram uma maior escassez de recursos e oportunidades
econômicas, contribuindo para o aumento da pobreza e do desemprego, enquanto o resto da
nação vivia uma realidade totalmente diferente.
Além disso, a administração Reagan adotou uma postura dura em relação à aplicação da lei e à
política de drogas, o que teve um impacto devastador nas comunidades minoritárias. A
chamada “Guerra às Drogas” resultou em políticas de encarceramento em massa que
desproporcionalmente afetaram jovens negros e latinos, levando a taxas de encarceramento
historicamente altas nessas comunidades. O crack devastava o gueto e o estado só respondia
com repressão.
As políticas do governo Reagan também foram criticadas por sua resposta à epidemia de
HIV/AIDS, que afetou desproporcionalmente as comunidades mais pobres. A falta de
financiamento adequado para programas de prevenção e tratamento deixou essas
comunidades especialmente vulneráveis à disseminação da doença e às suas consequências
devastadoras.
Em resposta a essas políticas, surgiram movimentos de protesto e ativismo na quebradas, que
buscavam enfrentar a discriminação sistêmica e exigir mudanças políticas significativas.
Embora as tensões entre o governo Reagan e essas comunidades tenham sido profundas, elas
também inspiraram uma mobilização e organização sem precedentes, que continuaram a
moldar a paisagem política e social dos Estados Unidos nas décadas seguintes. Este foi o
terreno que o rap cresceu e começou a se tornar uma força global de protesto.
Reagan conseguiu eleger seu sucessor, outro Republicano, chamado George H. W. Bush,
conhecido carinhosamente no Brasil como Bush Pai.
Bush pai tentou imitar Reagan e perpetuar suas pautas, mas não teve o mesmo sucesso. Não
tinha o mesmo carisma, a União Soviética tinha acabado em 1991, diminuindo a preocupação
do povo americano em relação a Guerra Fria e os Estados Unidos viam a mágica econômica
ruir com altas taxas de desemprego e aumento de impostos em todos os setores. As
reclamações de descaso com as comunidades mais pobres que aconteceram no governo
Reagan, agora eram presentes em diversas outras camadas da sociedade, que acusavam o
então presidente de ter deixado de lado as pautas domésticas.
O Hip Hop pela primeira vez atingia um político importante diretamente com suas rimas. O
primeiro rapper a criticar George Bush Sr. Foi KRS-One, do grupo Boogie Down Productions,
em 1990, com a música “7 Dee Jays. Em 1991, Nas faz menção a Bush em uma mixtape nunca
lançada oficialmente, o grupo Geto Boys, no mesmo ano, também criticou de forma pesada o
político. Tupac Shakur também expressou seu descontentamento em 1991, seguido por Brand
Nubian e Public Enemy. Paris, em 1992, lançou uma música chamada “Bush Killa”, com uma
capa de álbum que mostrava o rapper esperando atrás de uma árvore, segurando uma pistola
enquanto George Bush discursava para uma multidão, pesado. Common também criticou Bush
Sr. em 1997, 4 anos após seu mandato.
Também na era Bush, que o estado fez uma das maiores ofensivas contra o Rap, e o fogo não
veio só do governo, mas também da oposição.
Se você tem no mínimo trinta anos, ou se é mais novo e seus pais, ou alguém da sua família,
possui uma coleção de Cds em casa, deve ter percebido que vários deles contém um selo de
Parental Advisory, indicando aos pais que ali pode existir algum tipo de linguagem obscena ou
assunto impróprio para seus filhos. E não podemos falar deste selo, sem falar de uma mulher
em especial, Tipper Gore. O sobrenome soou familiar? Sim, ela é esposa de Al Gore, vice de Bill
Clinton por duas vezes, e candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2000. Tipper
sempre foi uma ativista da família tradicional americana.
Tipper, na época em que seu marido ainda era senador, desempenhou um papel significativo
na criação do movimento de advertência parental em CDs de rap, um movimento que gerou
debates acalorados sobre liberdade de expressão, censura e a responsabilidade da indústria
musical.
No início dos anos 1980, Tipper Gore fundou o Parents Music Resource Center (PMRC), uma
organização dedicada a aumentar a conscientização sobre letras de música consideradas
violentas, sexualmente explícitas ou que glorificavam o uso de drogas. Em uma audiência no
Senado dos Estados Unidos em 1985, Tipper testemunhou sobre a necessidade de rotular
álbuns de música com conteúdo explicitamente sexual ou violento. Pela primeira vez a ideia
era dita de forma clara. Com o apoio de seu marido e outros políticos importantes de ambos
os partidos, Tipper conseguiu pressionar a indústria a adotar políticas de auto regulação e a
adicionar rótulos de advertência parental nos álbuns considerados controversos. Em poucos
anos, os rótulos de “Parental Advisory” começaram a aparecer em uma variedade de álbuns,
incluindo muitos álbuns de rap. Músicas com conteúdo explicito existiam há mais de 100 anos,
mas o aviso veio com o crescimento do Hip Hop.
Voltando ao bush Pai e também falando de Al Gore, o republicano acabou não se reelegendo,
e Bill Clinton era o presidente dos Estados Unidos, o primeiro democrata em 12 anos.
Com um político considerado mais progressista na presidência, você deve estar imaginando
que o rap finalmente fazia as pazes com a política, errado, ainda não chegamos nesta parte da
história.
A relação entre a administração Clinton e o hip-hop foi complexa e frequentemente marcada
por tensões.
Clinton, por um lado, reconheceu o impacto cultural e social do hip-hop e demonstrou apoio
superficial à comunidade hip-hop em várias ocasiões. Ele convidou artistas de hip-hop para a
Casa Branca e até mesmo nomeou um “Czar do Hip-Hop” para a sua administração. No
entanto, esses gestos foram frequentemente vistos como tentativas de capitalizar
politicamente a popularidade do hip-hop, em vez de abordar as preocupações reais das
comunidades urbanas.
Muitos artistas de hip-hop criticaram abertamente Clinton e sua administração. Uma das
principais fontes de tensão foi o pacote de leis conhecido como “Crime Bill” em 1994, que foi
apoiado por Clinton e implementou políticas de “tolerância zero” e sentenças obrigatórias,
contribuindo para o aumento do encarceramento em massa nos Estados Unidos. Essas
políticas impactaram desproporcionalmente as comunidades negras e latinas, resultando em
altas taxas de encarceramento para crimes não violentos e contribuindo para a devastação de
famílias e comunidades. A violência de gangues estava nas altas máximas no Estados Unidos, e
como primeiro democrata depois de 12 anos, Clinton achou que precisava mostrar serviço.
Muitas letras de rap refletiam o descontentamento das comunidades afetadas pelo Crime Bill
e criticavam Clinton por suas políticas de encarceramento em massa. Artistas como Tupac
Shakur, Nas, Public Enemy e Wu-Tang Clan lançaram músicas que abordavam diretamente
essas questões, denunciando o impacto prejudicial das políticas de Clinton sobre as
comunidades. O escândalo Monica Lewinsky, aonde o presidente foi acusado de receber sexo
oral no salão oval da Casa Branca, também rendeu centenas de raps, mesmo que dificilmente
podemos chamar a maioria deles de protesto.
Bill Clinton conseguiu se reeleger, largando o cargo em 2001. O político não conseguiu
emplacar seu sucessor, e outro político republicano pisava na Casa Branca. George W Bush, ou
Bush Filho.
Extremamente impopular e alvo constante de piadas, Bush filho viu sua vida mudar dia 11 de
setembro de 2001, quando os Estados Unidos sofreram o maior ataque terrorista da história
com mais de 2000 mortos. O sujeito sem carisma, toco para os padrões da presidência e
muitas vezes alvos de críticas por sua fraqueza, era agora o comandante chefe de uma nação
em guerra, com medo e pronta para a vingança, não justiça. Vingança prometida em um
discurso histórico de Bush sob os escombros do World Trade Center.
O país se uniu, o medo é uma das armas mais poderosas do estado para empurrar pautas
totalitárias goela abaixo da população. Mas este namoro entre o público americano e o
presidente Bush, não durou muito. Mesmo se reelegendo, Bush acabou sua presidência com
aprovação de apenas 22% dos americanos, um recorde histórico. Osama Bin Laden estava à
solta, a guerra ao Terror e a guerra do Iraque tinham feito um rombo gigante nos cofres
públicos e ambas ações militares apresentaram poucos resultados sólidos. E o pior, as
trapalhadas de Bush na guerra ao terror deixou milhares dos soldados mortos, que na sua
maioria vinha de comunidades negras ou de imigrantes. Segundo uma reportagem de 2023, do
Washinton Post, guerras pós o 11 de setembro já causaram mais de 4 milhões de mortes,
entre soldados, civis e terroristas.
Além disso, a resposta do governo Bush ao furacão Katrina, em 2005, foi fortemente criticada
por ser lenta e inadequada, especialmente em relação às comunidades negras de Nova
Orleans, que foram particularmente afetadas pelo desastre. As imagens de pessoas
abandonadas em condições deploráveis nos dias seguintes ao furacão geraram indignação
generalizada e minaram ainda mais a popularidade de Bush, especialmente entre as
comunidades mais pobres.
O aumento da vigilância e a perda da privacidade em troca de uma segurança contra futuros
ataques terroristas também assombraram sua administração.
Bush foi um dos alvos favoritos dos rappers durante sua presidência, e até depois dela.
Eminem, em sua música “Mosh”, de 2004, falou contra a guerra no Iraque e sugere que
o presidente Bush deveria lutar sozinho em sua própria guerra.
Nas, em sua música “Untitled”, lançada em 2008, também critica Bush e os problemas
causados pela guerra ao terror e pela invasão do Iraque.
Immortal Technique, em “Bin Laden”, de 2005, fala diretamente sobre a guerra ao terror
e como as ações dos EUA foram violentas e injustas.
Lupe Fiasco, em “American Terrorist”, lançada em 2006, questiona a moralidade das
ações dos EUA no exterior durante a guerra ao terror.
Até mesmo Kanye West, em um evento de arrecadação de fundos para as vítimas do
furacão Katrina, fez uma declaração contundente expressando sua indignação com a
resposta inadequada do governo Bush ao desastre. Ele disse que Bush não se importava
com as pessoas negras.
Em 2009, o rap odiava o presidente como nunca, e vice-versa, mas isso iria mudar
rapidamente com a possibilidade eleição do primeiro presidente negro do Estados Unidos,
Barak Obama.
Pela primeira vez, o rap não estava do outro lado da trincheira. E seu papel foi fundamental
para a eleição do 44º presidente dos Estados Unidos.
Em 1992, 2 Pac gravou um dos seus maiores hits, Changes. Uma das partes mais
marcantes da letra diz, We ain’t ready, to see a black presidente, em português; não
estamos prontos para ver um presidente negro, 17 anos depois, os Estados Unidos
derrubavam a fala de Tupac com a eleição de Obama.
Nas páginas da história americana, a relação simbiótica entre artistas de hip hop e
movimentos políticos se destaca como um testemunho do poder da música como
catalisador para mudanças; mas em nenhum momento isso foi mais evidente do que na
eleição de Barack Obama.
Enquanto a nação estava incrédula com um senador negro relativamente desconhecido
de Chicago, artistas de hip hop surgiram como vozes influentes no cenário cultural,
usando suas rimas como uma ferramenta potente para comentários sociais e ativismo.
Figuras como Jay-Z, Common e Kanye West, entre outros, emprestaram seus talentos
para a campanha de Obama, mobilizando jovens eleitores e galvanizando comunidades
marginalizadas.
Por meio de uma convergência entre arte e política, artistas de hip hop utilizaram suas
plataformas para se envolver com públicos muitas vezes ignorados pelas campanhas
políticas tradicionais no passado. Sua música tornou-se um grito de guerra por
mudança. A eleição também mostrou a força das redes sociais na política pela primeira
vez.
Canções como “My President” de Young Jeezy e Nas e “Yes We Can” de will.i.am
encapsularam o espírito de esperança e progresso que definiu a candidatura histórica de
Obama. Esses hinos transcenderam a mera diversão, servindo na época como hinos de
empoderamento e união diante da adversidade do governo Bush.
Uma vez no cargo, o Presidente Obama manteve uma conexão cultural com o hip hop
diferente de qualquer um de seus antecessores. Ele recebeu artistas de hip hop na Casa
Branca, reconhecendo sua influência e abraçando suas perspectivas sobre questões
sociais. Desde a realização de eventos como a “Série de Música da Casa Branca”, que
contou com performances de artistas como Common e Kendrick Lamar, até o
envolvimento em conversas com figuras como Jay-Z e Chance the Rapper, a
presidência de Obama representou uma fusão única de política e cultura popular.
No entanto, como em qualquer relacionamento, tensões surgiram ao longo do tempo.
Apesar de seu abraço inicial à cultura hip hop, Obama enfrentou críticas de dentro da
comunidade por aquilo que alguns percebiam como uma falha em abordar questões
sistêmicas que afetavam os afro-americanos. O renomado rapper Lupe Fiasco,
conhecido por suas letras politicamente carregadas, expressou abertamente sua
desilusão com as políticas de Obama, declarando em uma entrevista de 2011 à CBS:
“Para mim, o maior terrorista é Obama nos Estados Unidos da América.”
Além disso, à medida que a presidência de Obama se desenrolava, a desilusão crescia
entre certos segmentos da comunidade hip hop. Canções como “Letter to the President”
de 2 Pac, lançada postumamente, e “Black Republican” de Nas com participação de Jay-
Z, refletiam um descontentamento crescente com o establishment político e as supostas
inadequações da administração Obama.
No final, a relação entre artistas de hip hop e a presidência de Obama foi definida tanto
pela colaboração quanto pela crítica. Da mesma forma que o Rap viu seu poder na
eleição histórica de Obama, sua presidência serviu como um lembrete das
complexidades quando se caminha na encruzilhada entre arte, cultura e política.
E finalizando nosso capítulo, vamos falar da relação de amor e ódio do rap com Donald
Trump, sucessor de Obama após vencer Hillary Clinton de forma inesperada, quando a
democrata liderava todas as pesquisas na noite anterior ao pleito.
Com exceção de Kanye West e outro punhado de rappers, não é novidade que a grande
maioria dos artistas de hip-hop – do underground a ícones como Jay Z, Snoop Dogg, Eminem e
T.I. – tornaram-se vozes poderosas na resistência contra o presidente Donald Trump.
Mas antes de Trump pensar em se tornar político, sua relação com o Hip Hop era bem
diferente. Trump foi um assunto em alta no rap por décadas, e a admiração pelo seu poder,
sucesso e arrogância está documentada em mais de 300 versos. As letras examinadas por uma
reportagem na ABC News mostram que Trump foi aclamado desde o final dos anos 80, quando
o estilo dava seus primeiros passos fora de Nova Iorque.
Antes de concorrer à presidência, Trump recebeu elogios de praticamente todos os cantos do
mundo do hip-hop, na Costa Oeste com Snoop Dogg e Kendrick Lamar, na Costa Leste com P.
Diddy e 50 Cent e até rappers do sul como Lil Wayne e Jeezy.
E náo para por aí, várias músicas receberam o nome de Trump.
“Trump”, do rapper Jeezy de Atlanta, “Up Like Trump”, da dupla de hip-hop Rae Sremmurd,
Swae Lee e até o hit do falecido rapper Mac Miller, “Donald Trump”, tem o nome do
empresário como inspiração, numa época, que até ele mesmo se dizia um democrata.
A relação azedou assim que Trump consolidou sua candidatura a presidência com um tom de
combate e polêmica.
Ao saltar para o ringue presidencial, Trump rapidamente se tornou o inimigo público número
um do hip-hop. Os artistas podem ter gostado de sua personalidade, mas não gostaram de sua
política, mas ainda haviam exceções.
Kanye West se reuniu com Trump na Casa Branca algumas vezes, mas acabou atrapalhando
sua reeleição lançando uma candidatura própria. A posição de apoio do rapper a Donald
Trump provocou uma tempestade entre fãs e artistas. West é uma exceção, mas não está
sozinho. Lil Wayne e 50 Cent, surpreenderam o público ao expressar apoio ou simpatia pelo
presidente, provocando debates acalorados dentro da comunidade.
Uma das características mais marcantes da relação entre Trump e o hip hop foi o perdão
presidencial. Durante seus últimos dias no cargo, Trump concedeu perdões ou comutações a
várias figuras do hip hop que estavam cumprindo penas de prisão por uma variedade de
crimes. Isso incluiu nomes como Lil Wayne, Kodak Black e o co-fundador da Death Row
Records, Michael “Harry-O” Harris.
No lado da maioria, estava um velho amigo de Trump, o lendário empresário do rap, Russell
Simmons, que apoiou a candidata presidencial da democrata Hillary Clinton em 2016. O mega
empresário refletiu sobre a deterioração da sua relação com o amigo em uma carta de 2016,
pedindo ao mesmo para “parar de alimentar o fogo do ódio”.
Rappers como Jay Z, T.I. e Snoop Dogg – todos os quais celebraram a riqueza de Trump no
passado – tornaram-se alguns dos seus críticos mais veementes. Esta animosidade também
migrou para as letras, que nuca mais aclamaram o bilionário americano,
Este foi o sexto capítulo do Revolução Sonora, uma série com 10 episódios sobre fatos
relevantes nos dez anos de Hip Hop. No próximo episódio, depois de duas edições pesadas,
voltamos a vamos falar do que mais amamos, a música.
Episódio 7 – TRAP – Como o filho bastardo do Rap fez a mudança mais radical na história do estilo
Olá, nossa querida jornada pelos 50 anos de Hip Hop está chegando ao fim. Este é o sétimo e último episódio do Revolução Sonora, caso não tenha ouvido os primeiros episódios, eu recomendo que escutem todos em ordem.
O Rap não é estático, ele evolui, é influenciado por localidades, outros ritmos, eventos históricos e a evolução da humanidade em si. Kool Herc, o pai do estilo, não colocou o gênero em um museu rodeado por vidros à prova de balas ou o congelou como um embrião para que ficasse imutável durante décadas.
O rap mudou e muito, cada década traz uma nova era, dezenas de novos subgêneros que ajudaram a moldar a cultura nestes 50 anos. Se tem uma coisa que o fã gosta mais que rap, é discutir sobre o rap. Diz ai Lu.
Novos gêneros, novos beats, novas formas de rimar sempre foram polêmicas. Por mais que o rap se apresente como um estilo ultra progressista para o mundo, dentro deles, existe muito purismo e muita dificuldade em aceitar o novo.
Como vimos no episódio do sample, a tecnologia foi essencial para a evolução do rap, e o mesmo talvez estaria extinto se não tivesse seus dias de camaleão ao longo da história.
Todo novo subgênero adicionou algum novo elementos ao rap. Alguns deles acabaram sendo passageiros, outros acabaram incorporados ao ritmo ao longo dos anos. Até alguns subgêneros, tem mais de um nome, o hip hop alternativo e comumente chamado de back pack rap, ou rap da mochila, em referência ao subgênero ser extremamente popular em universidades. Mas nenhum subgênero teve tanto impacto no rap como o trap, que para alguns conservadores, nem rap é. Antes de a gente dissecar este ritmo do sul dos Estados Unidos, vamos conhecer um pouco mais da história dos subgêneros que moldaram o rap ao longo deste meio século.
Subgêneros
Classificar e dividir o rap é uma tarefa ingrata, o próprio conceito de subgênero é bastante abstrato.
Os subgêneros podem ser divididos em uma linha do tempo, old school, new school, Golden era. Também podem ser divididos por localidades, east coast, West coast, dirty South, rap francês e rap nacional. Até pelo conteúdo, o rap pode ser classificado, rap altenativo, rap pop e rap experimental. Fala mais lu,
E os próprios subgêneros, dão à luz a novos subgêneros. O gangsta rap do NWA é bem diferente do gangsta rap de Snopp Dogg, Warren G e Nate Dogg, com muito swing, o estilo é conhecido por G –Funk.
O site Raptology, uma das melhores fontes de informação confiável sobre o estilo, fez um mapa com todos possíveis subgêneros do rap. E pasmem, segundo o site, são 148 subritmos do rap. Eu não vou ler todos aqui, ficaria horas fazendo o mesmo, mas nesta lista podemos encontrara subgêneros mais populares como o Boom bap, Gangsta rap, underground e até o rap stronda, e outros, que nem o fã mais fanático ouviu falar. Temos o rap opera, Rap marroquino, viginia hip hop e o Jersey club.
E lembrando estes 148 estilos, são apenas subgêneros do rap, esta lista não mostra ritmos criados a partir do rap como o nu metal.
Desde suas humildes origens nas ruas do Bronx até sua ascensão global, o hip-hop abrange uma miríade de estilos, vozes e perspectivas, cada um contribuindo para a rica tapeçaria da cultura musical contemporânea.
Vamos fazer uma pequena jornada pelos subgêneros mais marcantes?
Nossa jornada começa nos na década de 1970 e início dos anos 1980, quando o hip-hop da velha escola, ou old school para os gringos, emergiu como uma expressão vibrante da juventude urbana. Com o uso de drum machines, toca-discos e rimas simples, mas cativantes, artistas como Grandmaster Flash and the Furious Five, Afrika Bambaataa e Run-D.M.C. moldaram os alicerces do gênero. A música frequentemente apresentava breakbeats sampleados de discos de funk e soul, além de temas centrados em festas e celebração da cultura de rua.
Avançando para a Era de Ouro do Hip Hop, ou Golden Age, nos meados dos anos 1980 até o início dos anos 1990, testemunhamos um período de inovação artística e engajamento social. O sample, como vimos no episódio 3, desempenhou um papel significativo, com produtores como DJ Premier e Pete Rock criando batidas intrincadas a partir de registros de soul, jazz e funk. Os artistas elevaram o nível intelectual das letras, abordando questões políticas, injustiça social e lutas pessoais em álbuns clássicos como “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back” do Public Enemy e “Illmatic” do Nas.
Nos últimos anos da década de 1980 e início dos anos 1990, o rap gangsta emergiu como uma representação crua e sem filtros da vida urbana, frequentemente explorando temas de violência, drogas e crime. “Straight Outta Compton” do N.W.A. é um marco pioneiro neste subgênero, apresentando artistas como Ice Cube, Dr. Dre e Eazy-E. Apesar das críticas por suas letras explícitas, o rap gangsta forneceu uma plataforma para destacar questões sociais que afetam comunidades marginalizadas e injetou milhões de dólares no estilo.
O gansgta rap dominou a cena por muito tempo, mas Nova Iorque acabou retomando o trono, lembrando a todos aonde foi o berço do movimento. O rap da Costa Leste americana é conhecido por seu foco no lirismo, narrativa e produção boom-bap. Artistas como Nas, Jay-Z e Wu-Tang Clan surgiram como lendas do gênero durante a década de 1990, estabelecendo uma identidade distinta. Enquanto isso, o hip-hop da Costa Oeste criou subgêneros do gangsta rap, caracterizados por suas vibrações relaxadas, produção G-funk e ênfase em festas e cultura regional. Álbuns como “The Chronic” do Dr. Dre e “Doggystyle” do Snoop Dogg definiram o som da Costa Oeste e influenciaram artistas como Tupac Shakur e Kendrick Lamar.
Dentro do panorama diversificado do hip-hop, o Sul dos Estados Unidos desempenhou um papel crucial na definição de seu próprio estilo distinto. Originado nos estados do sul, como Georgia, Louisiana e Texas, o rap sulista trouxe uma nova energia e perspectiva ao gênero.
Artistas como Outkast, Scarface e UGK emergiram como figuras proeminentes, incorporando elementos da cultura sulista em suas músicas. Com batidas pesadas, letras viscerais e uma forte conexão com suas raízes, o rap sulista cativou tanto os ouvintes locais quanto os fãs em todo o mundo.
Desde o boom-bap e jazz rap até o trap e mumble rap, cada subgênero tem sua própria história e impacto na cultura musical. O Latin trap, emo rap, grime, hyphy e outros subgêneros oferecem uma variedade de vozes e perspectivas, refletindo as experiências únicas das comunidades ao redor do mundo.
Ao explorar a história e a evolução dos subgêneros do hip-hop, somos lembrados da incrível diversidade e inovação dentro do movimento. Desde suas raízes nas ruas do Bronx até sua influência global, o hip-hop continua a desafiar fronteiras e transcender barreiras culturais. Cada subgênero é uma peça vital do quebra-cabeça do hip-hop, contribuindo para sua rica e multifacetada história. Por meio da música e da narrativa, o hip-hop continua a inspirar e capacitar gerações em todo o mundo.
Mas se essa diversidade é tão positiva, pq o Trap gera tanto ódio de puristas, que acham que o estilo é o apocalipse do movimento?
Então, antes de respondermos essa pergunta, vamos falar um pouco da história do trap.
O Rap sempre foi ousado aos olhos da sociedade, sempre foi um gênero extremamente desafiador e revolucionário, e como já dissemos centena de vezes neste podcast, influenciando a música, a moda, os esportes e até o cinema.
Mas como em casa de pedreiro o espeto é de pau, o movimento em si sempre foi tradicionalista e conservador dentro de sua estética e ideias. Os subgêneros que surgiram e sumiram durante os anos, sempre foram aceitos, pois era filhos fiéis ao rap e seguiam a cartilha dos fundadores mesmo nas mudanças mais significativas do movimento.
O Trap não, o Trap é o filho rebelde do rap. Pela primeira vez, bem quando o movimento completa seus 50 anos, um subgênero mete o dedo na cara do pai revolucionando o hip-hop, talvez, para todo o sempre.
Nunca na história do gênero uma de suas novas vertentes foi tão dominante por tanto tempo. O Trap mudou as letras, os beats, a harmonia, o flow e até a moda do rap.
Não é incomum ver entrevistas e podcasts com figurões do rap, principalmente da chamada Golden Era do movimento, fazerem críticas pesadas ao estilo, acusando o Trap de se monótono, similar e até um regresso técnico na arte de rimar. Este desgosto também acaba se estendendo aos fãs mais velhos de rap, que tem dificuldade em se conectar com o som da nova geração. Mas gostem ou não, o Trap é uma realidade e tem uma legião de fãs fiéis que escutam seus artistas favoritos e lotam estádios de futebol por todo mundo por quase dez anos.
Por mais que você se conecte e se identifique com figuras mais refinadas como Nas, Jay Z e até Snopp Doog, este não é o som que está sendo feito na quebrada mais perto de sua casa. O Trap tem um poder de conexão entre fã e artista que causa inveja a qualquer rapper que aparece nas listas de melhores MCs de todos os tempos.
Mas afinal, aonde surgiu o Trap?
Em uma treta recente, os rappers T.I. e Gucci Mane estavam brigando pelo título de inventor do Trap, mas basta alguns cliques no Google, para saber que a história não é bem assim. O Trap tem origens mais profundas e complexas. Fala um pouco sobre o nome Luah.
A palavra Trap é uma gíria de Atlanta que remete a uma casa abandonada que foi invadida para a venda de drogas. O termo pode ser ouvido em faixas de rap do sul americano quando T.I. ainda não tinha tocado o microfone, especialmente por meio do coletivo de rap Dungeon Family, de Atlanta. Na faixa de 1995 de Goodie Mob, “Thought Process”, Khujo canta: When I was out in the trap or when I was goin’/Through one of our episodes, only God knows.” Ou em português;
Quando eu estava na biqueira ou quando estava passando por um de nossos episódios, só Deus sabe.”
A palavra também pode ser ouvida na música SpottieOttieDopaliscious, do Outkast. O rapper Big Boi usa o termo no lançamento de 1998.
É impossível contar a história do Trap deixando de fora uma máquina que esculpiu o estilo e é usada até hoje. Já falamos bastante sobre ela no episódio 3, aonde abordamos o sample no rap, por isso vamos dar uma resumida por aqui. Lembrando, caso não tenha ouvidos os outros episódios, eu sugiro que os ouçam em ordem, desde o começo.
Na década de 1980, quando a lendária TR-808 chegou ao Sul dos Estados Unidos, os produtores encontraram maneiras inovadoras de ajustar seus controles, especialmente o knob de decay, que controlava o tempo de duração dos graves. Este ajuste resultou em uma batida mais profunda e pulsante, característica marcante da música Miami bass. Grupos como o 2 Live Crew ganharam destaque com hits como “Me So Horny” em 1989 e “Banned in the U.S.A.” em 1990, utilizando intensamente esse efeito.
Um dos principais protagonistas dessa cena foi o DJ Toomp, que não apenas trabalhou na cena da música bass no Sul, mas também excursionou com o 2 Live Crew. Ele trouxe consigo essas técnicas para Atlanta, onde, pouco mais de uma década depois, colaborou com T.I. para ajudar a definir o som do trap. Essa conexão direta entre os elementos do Miami bass e a evolução do trap destaca a influência duradoura e inovadora da cena musical do Sul dos Estados Unidos.
Pelas letras e atitudes dos rappers, podemos dizer que o Trap é uma evolução do gangsta rap. Mas sua estética é, e sempre foi, extremamente sulista. O Trap é a evolução do rap do sul americano. O estilo foi “comendo pelas beiradas” de forma independente durante a treta entre East e West Coast nos anos 90, começou a ganhar espaço em todos país nos anos 2000 até se tornar o ritmo dominante de 2015 em diante.
Uma das primeiras gravações de trap lançadas foi em 1992 com a música “Cocaine in The Back Of My Ride”, do UGK. Em 1996, Master P lançou o single “Ice Cream Man” de seu quinto álbum de estúdio com o mesmo nome. Nessa época, fãs e críticos começaram a se referir a artistas que focavam principalmente no tráfico de drogas como “trap rappers”.
Na mesma época, o jornalista David Drake, da revista Complex, escreveu que “o trap nos anos 2000 não era um gênero, era um lugar real”, oficialmente cunhando o termo “trap” para a música que abordava o assunto.
Quem é quem no bagulho?
Vários artistas tiveram papéis decisivos na popularização do trap music. A primeira onda de trap music incluiu rappers como DJ Toomp, Fatboi, Drumma Boy e Shawty Redd.
Os primeiros produtores do novo gênero foram principalmente Lil Jon, Mannie Fresh e DJ Paul. Falando em Mcs; T.I., Gucci Mane, Young Jeezy são creditados por levar o gênero ao mainstream. Eles incorporaram elementos como os graves pesados da 808, padrões de bateria pesados e uma levada agressiva, estabelecendo as bases para o som do novo gênero.
Mas caso precisarmos achar um pai para o movimento, provavelmente seria Shawty Redd, o rapper foi o primeiro a combinar todos os elementos que fazem parte do Trap moderno.
Lex Luger foi o próximo produtor a construir o som do Trap. Altamente influenciado por Toomp e Shawty Redd, Luger produziu músicas para Waka Flocka Flame e OJ Da Juiceman. Seu trabalho com Waka, especialmente no álbum de 2010, “Flockaveli”, o tornou um dos maiores produtores da cena. Em breve, ele estava trabalhando com Wiz Khalifa, Snoop Dogg e Kanye West.
Após isso, a porta do sucesso estava aberta. O trap estava em todos os lugares, e Luger estava na vanguarda, produzindo sucessos como “B.M.F.” para Rick Ross e “H.A.M.” para Kanye West e Jay-Z. Rappers como Future e Young Thug começaram a conquistar grandes seguidores à medida que o gênero crescia. O produtor de trap Mike WiLL Made-It foi de trabalhar com Gucci e 2 Chainz para Miley Cyrus e Beyoncé em apenas alguns anos. A cena do Drill de Chicago também foi fortemente influenciada pelo trap music. O som foi tão influente que produtores de EDM como Flosstradamus e Baauer começaram a promover um subgênero da música eletrônica também chamado de trap.
O Trap continua sendo o subgênero mais popular do rap até hoje, com novos artistas como Travis Scott, Lil Baby, Migos, 21 Savage e Lil Uzi Vert evoluem o estilo dos pioneiros que vieram antes deles. Produtores que começaram no trap, como Metro Boomin e Mike WiLL, são alguns dos beat makers mais procurados em toda a música.
O Trap é violento?
Um dos aspectos mais controversos do Trap é sua representação explícita de violência e atividades criminosas, que muitas vezes transcende para o mundo real, uma herança direta do Gangsta Rap.
Como vimos no episódio 5, o rap sofreu severamente com a violência nos anos 90, no feudo entres as costas leste e oeste dos Estados Unidos, deixando como principais vítimas, os dois maiores rappers da história do gênero. A morte de Pac e Biggie deixou a comunidade do rap em choque, que contra-atacou com diversos apelos de paz e acordos entre crews rivais para que a violência acabasse de uma vez por todas.
O movimento surtiu efeito por um bom tempo, mas nos últimos anos, a violência voltou com tudo para o Hip Hop, atingindo principalmente artistas de Drill e Trap.
XXXtentacion, Nipsey Hussle, Young Dolph, PnB Rock eTakeoff são apenas alguns dos nomes de grandes rappers assinados em emboscadas, brigas ou assaltos.
A ascensão do Trap influenciou indiscutivelmente a estética do hip-hop. Isso deslocou o foco de histórias tradicionais e rap consciente para uma abordagem mais enérgica, hedonista e às vezes niilistas. Críticos argumentam que essa mudança levou a um declínio na profundidade lírica e no comentário social, enquanto os apoiadores a vêem como um reflexo do ambiente cultural atual. E qual foi o impacto do Trap na moda Lu?
Os artistas de Trap incentivaram seus fãs a expressarem sua individualidade por meio da moda. A ênfase do gênero na autenticidade e na autoexpressão se traduziu em uma variedade de escolhas de roupas entre os entusiastas de hip hop. Desde penteados únicos até acessórios personalizados, os fãs abraçaram a liberdade de criar looks distintos, ampliando os limites da moda tradicional do hip hop, que era baseada em roupas de times, camisetas longas, calças largas e bonés. O trap trouxe mais liberdade e até reinventou a moda extravagante e chamativa do s anos 80, quando o rap estava engatinhando.
O Trap Music desempenhou um papel crucial em ultrapassar as linhas entre a moda de luxo e o streetwear. Não foi com o Trap que artistas começaram a incorporar peças de grifes como Gucci, Versace e Balenciaga em seus guarda-roupas, ao lado de marcas de streetwear acessíveis e modernas. Mas no Trap,esta fusão não apenas elevou a percepção do streetwear, mas também permitiu uma abordagem mais eclética e experimental à moda do hip hop. As próprias grandes casas de costura começaram a investir em collabs com marcas de rua e rappers famosos da atualidade.
Agora que você já entendeu o trap, podemos fazer uma reflexão porque ele causa tanto ódio.
Trap não é rap” “Funk é um lixo.” Eu já passei faz tempo dos 40, e como muitos fãs, já repeti essa frase, sem sequer ter escutado um disco inteiro do estilo. Por mais progressista que seja um fã, todos somos conservadores em relação às nossas músicas favoritas da juventude. A música tem uma relação forte com nossa história, é a trilha sonora de momentos marcantes e um dos gatilhos de memória mais poderosos do ser humano.
Choque de gerações é normal, sempre houve, e sempre vai existir, mas não pode ser usado como maquiagem de preconceito. Toda música preta demora dez anos para ser aceita, como me disse em uma das minhas pesquisas o Dj Jeff Bass, um dos pioneiros do movimento Hip Hop em Curitiba.
Ele completa: Usam os mortos para atacar os vivos. É comum escutarmos frases como “Jamais teremos outro 2 Pac” ou “Ninguém vai rimar como o Biggie”. Mas se voltarmos ao tempo, eram essas pessoas que falavam que rap é coisa de bandido, ou rap sequer é música é, e hoje as mesmas vestem a camisa do 2 Pac como se fosse do seu time de coração. Isso não nasceu com o trap. O blues, o jazz, e outros tantos estilos passarem a mesma situação. Marvin Gaye, Luther Vandross, e outros tantos, só receberam suas flores tarde, muitas vezes flores póstumas. Aprendi como jornalista que o estudo é a melhor arma contra o preconceito. Ao estudar, minha visão mudou principalmente quando fui num mega festival do estilo. O Trap não é um filho canibal do rap que está comendo o estilo pela beiradas, é a continuação. É o crescimento da semente que plantamos lá trás. Vendo mais de 20k pessoas pulando e gritando por 12hs consecutivas, afirmo que o trap foi mais longe. Dificilmente o 50 cent arrastaria essa multidão hoje em dia no Brasil. Jovens que vão levar a bandeira do rap por mais de 20 anos. Qual é seu saudosismo? A época em que 80% do dinheiro feito no Brasil ia para o Jay Z ou o Ja Rule? O dinheiro tá ficando aqui, ISSO É GIGANTE! Sentes falta de comprar uma Bentley nova para o Snopp Dogg? Cada Matuê levanta pelo menos uns 30 manos de sua quebrada, é um movimento social, mesmo sem ativismo na letra. Ninguém é obrigado a gostar de nada, mas que tal estudar um pouco antes e espalharmos preconceitos?
Neste meio século de Hip Hop eu digo: viva o rap, viva o trap, viva o drill, viva o funk e viva todos os ritmos que ainda vão surgir das quebradas ao redor do mundo.
Este é o fim do Revolução Sonora, obrigado a todos que viveram esta jornada ao nosso lado. Agradecemos a nossos ouvintes, nossos colaboradores e patrocinadores, e principalmente ao Rap, minha maior paixão.