O Rap sempre foi ousado aos olhos da sociedade, sempre foi um gênero extremamente desafiador e revolucionário, influenciando a música, a moda, os esportes e até o cinema.
Mas como em casa de pedreiro o espeto é de pau, o movimento em si sempre foi tradicionalista e conservador dentro de sua estética e ideias. Os sub gêneros que surgiram e sumiram durante os anos, sempre foram aceitos, pois era filhos fiéis ao rap e seguiam a cartilha dos fundadores mesmo nas mudanças mais significativas do movimento.
O Trap não, o Trap é o filho rebelde do rap. Pela primeira vez, bem quando o movimento completa seus 50 anos, um sub gênero mete o dedo na cara do pai revolucionando o hip-hop, talvez, para todo o sempre.
Nunca na história do gênero uma de suas vertentes foi tão dominante por tanto tempo. O Trap mudou as letras, os beats, a harmonia, o flow e até a moda do rap.
Não é incomum ver entrevistas e podcasts com figurões do rap, principalmente da chamada Golden Era do movimento, fazerem críticas pesadas ao estilo, acusando o Trap de se monótono, similar e até um regresso técnico na arte de rimar. Este desgosto também acabam se estendendo aos fãs mais velhos de rap, que tem dificuldade em se conectar com o som da nova geração. Mas gostem ou não, o Trap é uma realidade e tem uma legião de fãs fiéis que escutam seus artistas favoritos e lotam estádios de futebol por todo mundo por quase dez anos.
Por mais que você se conecte e se identifique com figuras mais refinadas como Nas, Jay Z e até Snopp Doog, este não é o som que está sendo feito na quebrada mais perto de sua casa. O Trap tem um poder de conexão entre fã e artista que causa inveja a qualquer rapper que aparece nas listas de melhores MCs de todos os tempos.
Mas afinal, aonde surgiu o Trap?
As Origens do Trap Music
Em uma treta recente, os rappers T.I. e Gucci Mane estavam brigando pelo título de inventor do Trap, mas basta alguns cliques no Google, para saber que a história não é bem assim. O Trap tem origens mais profundas e complexas.
O Nome
A palavra Trap é uma gíria de Atlanta que remete a uma casa abandonada que foi invadida para a venda de drogas. O termo pode ser ouvido em faixas de rap do sul americano quando T.I. ainda não tinha tocado o microfone, especialmente por meio do coletivo de rap Dungeon Family, de Atlanta. Na faixa de 1995 de Goodie Mob, “Thought Process”, Khujo canta: When I was out in the trap or when I was goin’/Through one of our episodes, only God knows.”
Quando eu estava na biqueira ou quando estava passando por um de nossos episódios, só Deus sabe.”
A palavra também pode ser ouvida na música SpottieOttieDopaliscious, do Outkast. O rapper Big Boi usa o termo no lançamento de 1998.
TR-808 Drum Machine
É impossível contar a história do Trap deixando de fora uma máquina que esculpiu o estilo e é usada até hoje.
Para entender como o som do trap music surgiu, é preciso voltar ainda mais na história do rap. Em 1980, a fabricante de instrumentos de música eletrônica Roland lançou a máquina de bateria TR-808. Inicialmente, a máquina foi um fracasso comercial, mas ganhou um culto de seguidores ao ser adotada pelos DJs de hip-hop. A TR-808 é um pilar da música hip-hop moderna – é a fonte dos distintos hi-hats e sons graves do kick drum usados no trap music.
Conforme a TR-808 chegou ao Sul dos Estados Unidos na década de 1980, os produtores encontraram formas de aumentar o knob de decay, que impulsionou o som grave. A música Miami bass – especialmente o grupo 2 Live Crew com hits como “Me So Horny” em 1989 e “Banned in the U.S.A.” em 1990 – utilizou esse efeito de forma marcante.
DJ Toomp, que trabalhou na cena da música bass no Sul e excursionou com o 2 Live Crew, trouxe essas técnicas para Atlanta. Pouco mais de uma década depois, ele usaria essas mesmas técnicas com T.I. para ajudar a definir o som do trap.
Os Pioneiros
Pelas letras e atitudes dos rappers, podemos dizer que o Trap é uma evolução do gangsta rap. Mas sua estética é, e sempre foi, extremamente sulista. O Trap é a evolução do rap do sul americano. O estilo foi “comendo pelas beiradas” de forma independente durante a treta entre East e West Coast nos anos 90, começou a ganhar espaço em todos país nos anos 2000 até se tornar o ritmo dominante de 2015 em diante.
Uma das primeiras gravações de trap lançadas foi em 1992 com a música “Cocaine in The Back Of My Ride”, do UGK. Em 1996, Master P lançou o single “Ice Cream Man” de seu quinto álbum de estúdio com o mesmo nome. Nessa época, fãs e críticos começaram a se referir a artistas que focavam principalmente no tráfico de drogas como “trap rappers”.
Na mesma época, o jornalista David Drake, da revista Complex, escreveu que “o trap nos anos 2000 não era um gênero, era um lugar real”, oficialmente cunhando o termo “trap” para a música que abordava o assunto.
Quem é quem no bagulho?
Vários artistas tiveram papéis decisivos na popularização do trap music. A primeira onda de trap music incluiu rappers como DJ Toomp, Fatboi, Drumma Boy e Shawty Redd.
Os primeiros produtores do novo gênero foram principalmente Lil Jon, Mannie Fresh e DJ Paul. T.I., Gucci Mane, Young Jeezy são creditados por levar o gênero ao mainstream. Eles incorporaram elementos distintivos, como graves pesados de 808, padrões de bateria e entrega agressiva, estabelecendo as bases para o som do novo gênero.
Mas caso precisarmos achar um pai para o movimento, provavelmente seria Shawty Redd, o rapper foi o primeiro a combinar todos os elementos que fazem parte do Trap moderno.
Lex Luger
Lex Luger foi o próximo produtor a construir o som do Trap. Altamente influenciado por Toomp e Shawty Redd, Luger produziu músicas para Waka Flocka Flame e OJ Da Juiceman. Seu trabalho com Waka, especialmente no álbum de 2010, “Flockaveli”, o tornou um dos maiores produtores da cena. Em breve, ele estava trabalhando com Wiz Khalifa, Snoop Dogg e Kanye West.
Após isso, a porta do sucesso estava aberta. O trap estava em todos os lugares, e Luger estava na vanguarda, produzindo sucessos como “B.M.F.” para Rick Ross e “H.A.M.” para Kanye West e Jay-Z. Rappers como Future e Young Thug começaram a conquistar grandes seguidores à medida que o gênero crescia. O produtor de trap Mike WiLL Made-It foi de trabalhar com Gucci e 2 Chainz para Miley Cyrus e Beyoncé em apenas alguns anos. A cena do Drill de Chicago também foi fortemente influenciada pelo trap music. O som foi tão influente que produtores de EDM como Flosstradamus e Baauer começaram a promover um subgênero da música eletrônica também chamado de trap.
O Trap continua sendo o subgênero mais popular do rap até hoje, com novos artistas como Travis Scott, Lil Baby, Migos, 21 Savage e Lil Uzi Vert evoluem o estilo dos pioneiros que vieram antes deles. Produtores que começaram no trap, como Metro Boomin e Mike WiLL, são alguns dos beat makers mais procurados em toda a música.
O Trap é violento?
Um dos aspectos mais controversos do Trap é sua representação explícita de violência e atividades criminosas, que muitas vezes transcende para o mundo real, uma herança direta do Gangsta Rap.
Anos 90
O rap sofreu severamente coma violência nos anos 90, no feudo entres as costas leste e oeste dos Estados Unidos, deixando como principais vítimas, os dois maiores rappers da história do gênero. A morte de Pac e Biggie deixou a comunidade do rap em choque, que contra atacou com diversos apelos de paz e acordos entre crews rivais para que a violência acabasse de uma vez por todas.
A volta da violência
O movimento surtiu efeito por um bom tempo, mas nos últimos anos, a violência voltou com tudo para o Hip Hop, atingindo principalmente artistas de Drill e Trap.
XXXtentacion, Nipsey Hussle, Young Dolph, PnB Rock eTakeoff são apenas alguns dos nomes de grandes rappers assinados em emboscadas, brigas ou assaltos.
O Ministério Público dos Estados Unidos também move um processo gigante contra diversos rappers de Atlanta os acusando de formação de quadrilha. Young Thug, um dos principais nomes do momento, continua preso sob estas acusações. Novamente, ferindo a primeira emenda da constituição americana, letras de rappers tem sido usadas contra eles em tribunais.
Críticos argumentam que os temas abordados no Trap glorificam comportamentos prejudiciais e influenciam negativamente audiências vulneráveis, mesma acusação que que rappers como Eazy E Too Short sofreram no começo dos anos 90. Por outro lado, defensores do gênero argumentam que o Trap apenas reflete as duras realidades da vida urbana e serve como uma forma de expressão artística.
Mudando a Estética do Hip-Hop:
A ascensão do Trap influenciou indiscutivelmente a estética do hip-hop. Isso deslocou o foco de histórias tradicionais e rap consciente para uma abordagem mais enérgica, hedonista e às vezes niilista. Críticos argumentam que essa mudança levou a um declínio na profundidade lírica e no comentário social, enquanto os apoiadores a vêem como um reflexo do ambiente cultural atual.
Moda
Os artistas de Trap incentivaram seus fãs a expressarem sua individualidade por meio da moda. A ênfase do gênero na autenticidade e na autoexpressão se traduziu em uma variedade de escolhas de roupas entre os entusiastas de hip hop. Desde penteados únicos até acessórios personalizados, os fãs abraçaram a liberdade de criar looks distintos, ampliando os limites da moda tradicional do hip hop, que era baseada em roupas de times, camisetas longas, calças largas e bonés. O trap trouxe mais liberdade e até reinventou a moda extravagante e chamativa do s anos 80, quando o rap estava engatinhando.
O Trap Music desempenhou um papel crucial em ultrapassar as linhas entre a moda de luxo e o streetwear. Não foi com o Trap que artistas começaram a incorporar peças de grifes como Gucci, Versace e Balenciaga em seus guarda-roupas, ao lado de marcas de streetwear acessíveis e modernas. Mas no Trap,esta fusão não apenas elevou a percepção do streetwear, mas também permitiu uma abordagem mais eclética e experimental à moda do hip hop. As próprias grandes casas de costura começaram a investir em collabs com marcas de rua e rappers famosos da atualidade.
Definições Técnicas do Trap Music:
Como saber se uma música é Trap ou não é? Veja agora alguns dos elementos que categorizam o estilo:
Batida Tripla: Uma característica proeminente do Trap é a batida tripla, onde três notas são tocadas no mesmo tempo que duas em uma batida regular, criando um ritmo sincopado e vibrante.
Levadas Triplificadas ou Levada Migos: O Trap frequentemente apresenta fluxos vocais rápidos e intrincados, usando tríplices ou “fluxos Migos”. Esse estilo foi popularizado pelo grupo de rap Migos, caracterizado por padrões rítmicos que enfatizam a batida tripla.
Graves Pesados e 808: O Trap é conhecido por seus graves retumbantes e pelo uso da bateria Roland TR-808, criando uma textura sonora única que ressoa com os ouvintes.
Ad-libs: Ad-libs são um componente essencial da trap music, onde os artistas inserem frases curtas ou efeitos sonoros vocais ao longo de seus versos para adicionar ênfase e personalidade à entrega.
Sintetizadores do Trap: Os sintetizadores desempenham um papel significativo no trap music, fornecendo elementos atmosféricos e melódicos que contribuem para o som distintivo do gênero. Eles são usados para criar novas melodias ou mudar drasticamente os samples, que eram a alma do estilo boom bap.
Rolamentos de Hi-Hat: As batidas do Trap frequentemente incluem rolagens intrincadas de hi-hat (chimbau) que adicionam energia e complexidade ao ritmo.
Produção em Camadas: A produção da trap music envolve a sobreposição de vários sons e samples, criando uma paisagem sonora densa e rica.
Auto-Tune: O auto-tune é frequentemente usado no Trap para criar uma entrega vocal melódica e estilizada.
Caixas do Trap: A caixa de bateria no trap music geralmente é impactante e marcante, fornecendo um elemento percussivo característico.