Em 2022, Salve Samuca apresentou ao público o EP Entre Crias e Empresários. Lançado durante um momento desafiador em sua vida pessoal, o projeto já mostrava profundidade lírica e ousadia na fusão de estilos. Agora, em 2024, o artista relança o trabalho, trazendo não apenas a maturidade adquirida com o tempo, mas também uma nova visão sobre sua arte e propósito.
Samuca escreveu as letras entre 2017 e 2018, quando era um jovem cheio de sonhos refletindo em sua música previsões de um futuro desconhecido, que com trabalho árduo e a magia do destino, acabou sendo parte de sua realidade. Para ele, relançar o EP significa honrar um sonho de infância, desta vez sem as preocupações de atingir os topos das paradas, mas com foco em passar sua mensagem.
Uma faceta combativa e crua
O EP apresenta um lado mais visceral de Samuca, contrastando com o produtor sensível e reflexivo que organiza eventos como o Baile da Durag. Suas rimas diretas e atitude combativa refletem a armadura que carrega como homem negro e brasileiro. Samuca relembra o conselho de um preto velho, que destacou sua postura como uma defesa necessária contra o mundo. O povo preto não sobreviveu até hoje sendo legal com todo mundo.
Com o tempo, compreendeu que pode ser mais perigoso ao sistema sendo estratégico, e não apenas combativo.
Essa evolução, no entanto, não significa o abandono de suas raízes. Seu crescimento como artista reside em equilibrar um lirismo afiado com a capacidade de fazer as pessoas dançarem. Ideia reta e diversão podem andar lado a lado. Segundo ele, rap e funk são partes de sua essência, e o EP marca um momento de lapidação, onde encontrou seu espaço entre os dois gêneros. Se antes buscava provar algo, agora deseja que sua música seja uma troca genuína entre visão e diversão.
Tecnologia e ancestralidade em “Zumbi Está Vivo”
Um dos destaques do EP, a faixa Zumbi Está Vivo, mistura afrobeat com discursos históricos, resultando em uma experiência poderosa. A música, preferida do MC, é um grito de força e uma homenagem ao passado, convidando vozes revolucionárias como a de Abdias Nascimento a dialogarem com o presente. Samuca teve que tomar decisões conscientes durante a produção, como retirar um verso pesado que poderia reforçar estereótipos negativos, evidenciando sua preocupação com a representatividade e a autenticidade. O que prova que pessoas pretas devem trabalhar em todas etapas da criação.
Além disso, Samuca esteve diretamente envolvido na produção da faixa, que, segundo ele, carrega sua identidade tanto na melodia quanto na mensagem.
Narrativas pessoais e universais
Outra faixa marcante, Olha o Mlk, conecta a trajetória pessoal do artista às histórias de muitas periferias brasileiras. A música resgata o significado da palavra “muleque”, transformando-a em símbolo de vitória. A faixa é uma homenagem ao grupo de sua cidade chamado ADL, de quem sempre foi fã, e à sua própria trajetória, que começou no Beco dos Artistas, em Teresópolis.
O amadurecimento nas faixas e no artista
O amadurecimento de Samuca transparece ao longo das faixas do EP, acompanhado por uma produção sofisticada, liderada por nomes como JLZ e Kelson Diego, além do próprio artista. O processo de gravação pode ser comparado a um intenso treinamento, aonde a experiência foi como uma aula sobre criar com alma e meticulosidade.
O relançamento de Entre Crias e Empresários é mais do que uma segunda oportunidade de apresentar a obra do Samuca ao público; é um convite para uma jornada que une ancestralidade, ritmo e consciência. É um registro atemporal da base da pirâmide do artista multi mídia que Samuca é hoje em dia. Nessa teia do tempo, aonde presente passado e futuro se entranham, Entre Crias e Empresários é um portal para entender os próximos passos da poesia do Samuel. Poesia essa que bate forte, mas bate bonito.