No sul do Brasil, numa cidadezinha portuária chamada Paranaguá, nasceu em 1929 uma lenda da música, Waltel Branco. Esse maestro paranaense, que abraçou uma vastidão de sons e ritmos, ainda é um segredo bem guardado da música brasileira, conhecido pelos íntimos da arte mas esquecido por muitos de sua própria terra.
Waltel foi um músico multifacetado, um maestro, arranjador, compositor, guitarrista, violonista e um revolucionário dos estúdios, cujas criações são a essência do que temos de mais autêntico na música brasileira.
Desde a infância, a música estava no sangue de Waltel. Aos poucos, ele foi aprendendo os segredos do violão, cavaquinho, bateria, violoncelo e até harpa e órgão. Estudou com grandes mestres como Bento Mossurunga e Alceo Bocchino, tornando-se um prodígio ainda na adolescência. Em Curitiba, formou sua primeira jazz-band com o irmão Ismael Branco e Gebran Sabag no piano, algo inovador para a época. Aos 20 anos, Waltel partiu para o Rio de Janeiro e, logo depois, para Cuba, onde começou uma jornada que transformaria o cenário musical do continente.
Em Cuba, Waltel trabalhou com grandes nomes da música latina como Perez Prado e Mongo Santamaria, mergulhando nas raízes da salsa e do jazz latino. Sua música se entrelaçava com a cultura local, ao ponto de Fidel Castro e o maestro Leo Brouwer confiarem nele a missão de revigorar a autenticidade da música cubana. Foi nessa fusão de sons brasileiros, cubanos e jazzísticos que Waltel ajudou a inaugurar o gênero do jazz fusion, uma mistura que continuaria a influenciar a música mundial.
Anos depois, Waltel viveu nos Estados Unidos, tocando com gigantes do jazz como Nat King Cole, Dizzy Gillespie e Max Bennett. Sob a batuta de Henry Mancini, Waltel participou da criação de trilhas sonoras icônicas, como a música da “Pantera Cor-de-Rosa”. Ele não apenas conviveu com esses titãs, mas deixou sua marca, sua assinatura sonora única, que os colegas reconheciam como um toque de genialidade.
No Brasil, Waltel foi uma peça fundamental na construção da Bossa Nova. Ele trabalhou lado a lado com João Gilberto e Baden Powell, trazendo uma originalidade e precisão nos arranjos que moldaram o movimento. Foi também um dos grandes compositores e arranjadores da TV Globo, onde sua música encantou milhões através de trilhas de novelas, shows e programas.
No entanto, a vida de Waltel não era apenas sobre fama e glória. Ele se dedicava a ensinar e a compartilhar seu conhecimento. Mesmo com sua carreira internacional e a respeitabilidade conquistada, ele sempre retornava ao Brasil, e em 2001 assumiu a regência da Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa. Waltel musicou poemas, regeu concertos e esteve à frente de projetos que exaltavam a música brasileira, especialmente no Paraná, seu berço cultural.
A influência de Waltel Branco transcende o tempo e as fronteiras. Ele tocou com Dorival Caymmi, Elis Regina, Astor Piazzolla, Tim Maia e tantos outros, mas também trouxe ao mundo sua visão da música: uma que não se limita aos rótulos. Seja no jazz, no samba, na música erudita ou na MPB, Waltel era um virtuoso que, até hoje, continua a ser redescoberto.
Waltel faleceu em 2018, mas sua música permanece viva e eterna. Ele é o herói que, embora deixado à margem da memória musical brasileira, permanece um gigante entre nós. Sua história, feita de ousadia, criatividade e amor incondicional à música, merece ser lembrada e celebrada, pois é uma joia rara que o Brasil e o mundo ainda estão redescobrindo.
Em 2005, o documentário “Descobrindo Waltel” trouxe parte dessa história à tona, mostrando sua grandiosidade por meio de depoimentos de artistas como Ed Motta e Roberto Menescal. Waltel foi homenageado por músicos de todas as gerações, e teve seu trabalho reconhecido em diferentes partes do mundo. Seu legado continua a inspirar e sua história a emocionar aqueles que têm o privilégio de conhecer um pouco da alma desse mestre.
No Paraná e além, Waltel Branco é o símbolo de uma música genuína, pulsante e atemporal. Ele nos deixa a lição de que a verdadeira arte não se apaga — ela apenas espera ser redescoberta.
Assembleia de Jazz celebra legado de Waltel Branco
Neste 24 de novembro, o Our Gang convida todos para uma noite especial da Assembleia de Jazz, celebrando o legado de Waltel Branco com uma experiência única e reverente. O evento será conduzido pelo Pedro Afara Project, que traz uma homenagem ao icônico álbum Meu Balanço (1975), uma obra-prima que personifica a alma musical de Waltel. A abertura contará com Paulo Henrique e Felipe Anibal, que compartilharão histórias do livro O Maestro Oculto, lançado recentemente.
Chegue cedo, sinta a energia e compartilhe dessa comunhão musical que honra a lenda de Waltel.
Fotos: amajazz, Fringe, Secretaria da Cultura do Paraná e