"Toda Música vem da África". A recente declaração do rapper Fat joe reacendeu uma discussão que não está sequer nas entrelinhas da história da música.
O artista do Bronx está errado?
A resposta é não. Absolutamente toda música popular moderna tem influência ou raízes na África. Se sua Playlist não é feita apenas de cantos gregorianos, música clássica e canções da Idade Média; a frase de Fat Joe é irretocável até no seu Spotify.
Tá, mas até o Heavy metal?
Sim, até o disco do Iron Maiden que toca toda manhã no carro do seu tio tem DNA africano. Mas e o Bluegrass ? Sim, até aquele gênero dos caipiras das montanhas americanas não existiria sem um banjo, instrumento tradicional do Oeste Africano.
O artista do Bronx está errado?
A resposta é não. Absolutamente toda música popular moderna tem influência ou raízes na África. Se sua Playlist não é feita apenas de cantos gregorianos, música clássica e canções da Idade Média; a frase de Fat Joe é irretocável até no seu Spotify.
Tá, mas até o Heavy metal?
Sim, até o disco do Iron Maiden que toca toda manhã no carro do seu tio tem DNA africano. Mas e o Bluegrass ? Sim, até aquele gênero dos caipiras das montanhas americanas não existiria sem um banjo, instrumento tradicional do Oeste Africano.
Marco Zero
A África sempre teve uma tradição rica e variada de estilos musicais que transcendem as fronteiras criadas pelo homem.
Entre eles, estão o Fuji da Nigéria, e o Highlife ganense, que se fundiram com outros estilos para criar o popular Afrobeat; estes mesmos gêneros possuem percussões complexas que podem ser ouvidas no funk e até no Jazz.
Entre eles, estão o Fuji da Nigéria, e o Highlife ganense, que se fundiram com outros estilos para criar o popular Afrobeat; estes mesmos gêneros possuem percussões complexas que podem ser ouvidas no funk e até no Jazz.
Os elementos de percussão do Jùjú nigeriano, e os grooves do Nombolo congolês podem ser facilmente reconhecidos na música eletrônica que faz sucesso em toda parte do mundo.
Características da música sacra africana, como o bater de tambores, vocalização de narrativas, e camadas meticulosas de ritmos, podem ser reconhecidos em estilos musicais de todo o mundo, do gospel ao trap.
Caminho cheio de pedras
A popularização dos ritmos africanos, e sua influência na música moderna, não aconteceu de forma suave e harmoniosa como uma canção de Billie Holiday.
Durante os tempos da escravidão nos Estados Unidos, a música afro-americana desenvolveu-se separadamente da música branca. Os escravos combinaram elementos de sua própria música tradicional com estilos musicais europeus para criar um estilo único de arte.
Durante os tempos da escravidão nos Estados Unidos, a música afro-americana desenvolveu-se separadamente da música branca. Os escravos combinaram elementos de sua própria música tradicional com estilos musicais europeus para criar um estilo único de arte.
A música dos escravos era depreciada pelos brancos, mas mal sabiam eles que era uma forma dos africanos preservarem sua cultura e sobrevivência, se comunicarem e até tirarem sarro dos proprietários de escravos com danças que imitavam sua maneira engraçada de andar.
A influência dos africanos na cultura musical americana foi ignorada por anos. Demorou muito para que as inovações musicais criadas por eles ganhassem popularidade e fossem consideradas uma parte legítima da cultura do maior país da continente americano.
A influência dos africanos na cultura musical americana foi ignorada por anos. Demorou muito para que as inovações musicais criadas por eles ganhassem popularidade e fossem consideradas uma parte legítima da cultura do maior país da continente americano.
Freak Show Racista
Músicos afro-americanos começaram a aparecer em shows humilhantes no início do século 19, já que essa era sua única oportunidade de conseguir trabalho pago com seu dom artístico. Eles faziam apresentações de músicas europeias em um show bizarro de chacota. O enredo era focado em aumentar os estereótipos da época com um humor racista aplaudido por uma plateia 100% caucasiana.
Ragtime
O Ragtime é um marco na história da influência africana na cultura musical. O ritmo, que teve seu pico de popularidade entre os anos 1897 e 1918, foi um basta aos estilos musicais europeus e serviu como um gatilho para uma revolução cultural; revolução gradual, lenta, mas jamais silenciosa. O Ragtime também é considerado o primeiro gênero 100% americano e acabou abrindo caminho para outras inovações da cultura negra dos Estados Unidos.
Blues e Jazz enfiam o pé na porta do racismo
O ragtime deu origem ao blues, que se tornou popular após a Guerra Civil e descarregou a insatisfação e a desilusão dos afro-americanos com a forma como foram tratados em um dos capítulos mais sombrios da história americana.
Pouco tempo após o surgimento do Blues no delta do Rio Mississipi, surgia o Jazz, talvez o ritmo mais técnico e criativo já inventado pelo homem.
No início do século 20, músicos afro-americanos continuaram a produzir o que mais tarde seria chamado de "música popular". Semelhante à linguagem utilizada em obras criadas durante a escravidão, as primeiras músicas empregavam duplo sentido e significados ocultos em suas letras.
Pouco tempo após o surgimento do Blues no delta do Rio Mississipi, surgia o Jazz, talvez o ritmo mais técnico e criativo já inventado pelo homem.
No início do século 20, músicos afro-americanos continuaram a produzir o que mais tarde seria chamado de "música popular". Semelhante à linguagem utilizada em obras criadas durante a escravidão, as primeiras músicas empregavam duplo sentido e significados ocultos em suas letras.
Mesmo com ritmos como o Blues e o Jazz se tornando populares em grande parte dos Estados Unidos, ambos ainda eram considerados indignos de estudo e de apreciação pela comunidade branca. Os brancos preferiram se manter ignorantes à criatividade, inovação e técnica apurada dos novos estilos que surgiam nas periferias americanas.
Para piorar, descartaram a música negra, afirmando que era inferior à européia. A própria indústria criou a segregação de alta e baixa cultura, fato que não se concretizava quando as obras eram comparadas entre si.
Para piorar, descartaram a música negra, afirmando que era inferior à européia. A própria indústria criou a segregação de alta e baixa cultura, fato que não se concretizava quando as obras eram comparadas entre si.
A era moderna
Na década de 1940, novos gêneros musicais se originaram na comunidade afro-americana e se estabeleceram firmemente na cultura popular nos Estados Unidos. Os primeiros estilos de blues deram lugar ao gênero Rhythm and Blues (R&B), que rapidamente gerou outros gêneros musicais, incluindo rock 'n' roll, disco e funk.
Em resposta às políticas conservadoras do governo que perpetuavam a crise socioeconômica nas regiões mais pobres da cidade, o hip-hop nasce nas década de 70, e se afirma na década de 80. O Hip-Hop foi um gênero musical totalmente novo que eliminou os componentes melódicos e harmônicos dos gêneros musicais anteriores e se concentrou no ritmo e nos vocais.
O Hip-Hop, apesar de ser um gênero musical totalmente novo, ainda estava intimamente relacionado à tradição oral africana por causa de seu rápido jogo de palavras, esquemas de rimas e táticas narrativas. Os rappers fizeram uso desse gênero musical novinho em folha para "chamar a atenção" à situação dos guetos das grandes cidades, criticar o governo, falar de suas ambições e é claro, contar vantagens sobre si mesmos.
Gourmetizaram o rap
O hip-hop, como os gêneros musicais anteriores, deu aos afro-americanos uma voz em uma sociedade que os oprimia e ajudou a forjar laços culturais dentro de sua própria comunidade. Mesmo com ritmos inegavelmente afro-americanos, a elite sempre tentou descaracterizar, "gourmetizar" e até embranquecer artistas e estilos musicais.
A questão não é se Elvis se apropriou de um ritmo de má fé. A questão é quantos Elvis a indústria revelou para ofuscar a evolução da música negra ao longo de quase um século.
Os donos das maiores gravadoras venderam por anos rappers brancos super-estimados para atender um público que consegue se identificar com sua cor. Lucraram com os ritmos populares escondendo sua origem na África, reescreveram a história embranquecendo seus personagens e por fim, mas não menos tenebroso, maquiaram nomes da cultura para agradar os ouvidos da elite. Quem nunca viu uma festa com títulos como "Hip Hop Fino", "Hip Hop Elite" ou "Hip Hop Chique"? E já deixam bem claro, é Hip Hop, nem vem falar de RAP!
A questão não é se Elvis se apropriou de um ritmo de má fé. A questão é quantos Elvis a indústria revelou para ofuscar a evolução da música negra ao longo de quase um século.
Os donos das maiores gravadoras venderam por anos rappers brancos super-estimados para atender um público que consegue se identificar com sua cor. Lucraram com os ritmos populares escondendo sua origem na África, reescreveram a história embranquecendo seus personagens e por fim, mas não menos tenebroso, maquiaram nomes da cultura para agradar os ouvidos da elite. Quem nunca viu uma festa com títulos como "Hip Hop Fino", "Hip Hop Elite" ou "Hip Hop Chique"? E já deixam bem claro, é Hip Hop, nem vem falar de RAP!
"Urban"
Questionar a nomenclatura que a indústria musical empurra ao público pode parecer exagero, mas é uma amostra clara de como eles tentam esconder a origem da maioria absoluta dos ritmos populares nos dias de hoje. Premiações, plataformas de streaming e a maioria das publicações sobre música, adotou o termo "Urban".
"Urban", segundo a mídia, engloba rap, rnb, soul e funk. Sim, é inegável que estes ritmos tem em comum suas raízes nos centros urbanos americanos, mas o que o nome deixa de fora é que são estilos musicais criados e dominados por afro-americanos.
"Urban", segundo a mídia, engloba rap, rnb, soul e funk. Sim, é inegável que estes ritmos tem em comum suas raízes nos centros urbanos americanos, mas o que o nome deixa de fora é que são estilos musicais criados e dominados por afro-americanos.
"Money is not power"
Dinheiro não é poder. Kanye West está diariamente na mídia nos últimos meses, e na maioria das vezes não tem sido pelo fato de estar lançando algum trabalho novo. O artista tem dado declarações polêmicas diariamente que acabaram custando seus maiores contratos na música e na moda. O problema dessa defesa eloquente de pautas; muitas vezes extremas, megalomaníacas e preconceituosas, não é apenas ofender parte de seu público e manchar sua carreira. Mas acaba ofuscando frases geniais que saem da mesma boca que fala o que quer em cada entrevista.
A frase de West, "Money is Not Power", ou a citando de forma mais completa, "Money is Not Power, Position is Power", ou dinheiro não é poder, cargo é poder, mostra de forma clara e resumida a última armadilha da indústria para fisgar artistas negros.
Por mais rico que seja o artista, sempre tem alguém, em um cargo superior, que acaba tomando as decisões mais importantes sobre a cultura. Nem um bilionário como Kanye está isento da mão poderosa da industria fonográfica.
Fazer algumas dezenas de rappers milionários é a cortina de fumaça perfeita para esconder a desigualdade de uma indústria que toma todas decisões baseadas em seu próprio lucro. Se os rappers são milionários, tem alguém que jamais pisou no gueto, faturando perto dos bilhões.
Já disse o jogador Edmundo ao ser questionado se seu salário era justo: "Ganho mais do que eu preciso, mas menos do que eu mereço."
A frase de West, "Money is Not Power", ou a citando de forma mais completa, "Money is Not Power, Position is Power", ou dinheiro não é poder, cargo é poder, mostra de forma clara e resumida a última armadilha da indústria para fisgar artistas negros.
Por mais rico que seja o artista, sempre tem alguém, em um cargo superior, que acaba tomando as decisões mais importantes sobre a cultura. Nem um bilionário como Kanye está isento da mão poderosa da industria fonográfica.
Fazer algumas dezenas de rappers milionários é a cortina de fumaça perfeita para esconder a desigualdade de uma indústria que toma todas decisões baseadas em seu próprio lucro. Se os rappers são milionários, tem alguém que jamais pisou no gueto, faturando perto dos bilhões.
Já disse o jogador Edmundo ao ser questionado se seu salário era justo: "Ganho mais do que eu preciso, mas menos do que eu mereço."
Imagina no Brasil
Nem a melhor maquiagem seria capaz de esconder a influência africana na música brasileira, que talvez seria inexistente sem o legado dos escravos e seus descendentes.
Tradições musicais africanas serviram de base para gêneros como bossa nova, tropicália, manguebeat e funk carioca, que conquistaram não só o Brasil, como o mundo, e o DNA da música africana ainda pode ser ouvido nas obras de muitos dos principais músicos modernos do país.
O surgimento do candomblé, da capoeira e do samba possibilitou uma reorganização cultural. Assim como nos Estados Unidos, contra tudo e todos, os africanos e seus descendentes se recriaram de maneira notável e profunda no Brasil; não apenas reorganizaram sua ancestralidade, mas também tiveram um impacto significativo em uma variedade de facetas da cultura nacional moderna.
Não tem pra aonde fugir
Racistas sempre vão tentar reescrever a história, maquiar a cultura e subjugar as raízes musicais; mas jamais será o bastante para estes seres desprezíveis conseguirem seus objetivos; porque basta o primeiro bumbo bater pesado no autofalante, que a ancestralidade poderosa africana vai tomar conta do ambiente e deixar uma marca registrada impossível de calar.
Sim, goste ou não, toda música vem da África!
Jornalista: Fabiano Augusto Correa
FOTOS: Performing Arts Abroad, Kennedy Center. PBS, Slide Player, BBC Music Magazine
Sim, goste ou não, toda música vem da África!
Jornalista: Fabiano Augusto Correa
FOTOS: Performing Arts Abroad, Kennedy Center. PBS, Slide Player, BBC Music Magazine