LeGro é uma explosão de ancestralidade e visão, um criador afrofuturista que, ao pintar suas telas, desenha também uma rede entre o que foi, o que é e o que pode ser. Ele imagina o topo sem esquecer de cada degrau conquistado, seu tempo não é uma linha reta, mas se desenvolve como uma teia, onde presente, passado e futuro estão entrelaçados, conforme a filosofia Iorubá que o inspira. Na sua arte, há a força de um resgate quase arquetípico, uma busca incessante pelo que foi perdido, apagado, mas ainda vive em fragmentos. A cada traço, ele lança a pergunta: como será o amanhã para o povo preto, carregando nas costas séculos de apagamento e resistência?
Quando LeGro não consegue se encontrar, ele inventa
Em Curitiba, cidade que muitas vezes insiste em negar suas raízes negras, LeGro enfrenta uma batalha singular. Ele reconhece as histórias submersas sob uma superfície eurocêntrica e não desanima na dificuldade de encontrar iguais para compartilhar e construir. Mas é justamente essa dificuldade que o motiva. As periferias da cidade, com sua potência e pulsação próprias, e as pequenas redes de trocas que cria ao lado de outros artistas negros, são para ele como vasos comunicantes – uma forma de subverter o isolamento imposto. Em cada tela, há uma carga de memórias coletivas e pessoais que resistem à narrativa oficial da capital paranaense.
LeGro é, além de pintor, ilustrador, designer e artesão. Para ele, cada uma dessas habilidades se combina como peças de um “megazord”, onde design e arte se fundem sem fronteiras. É dessa confluência que nascem suas peças, sempre informativas, visualmente impactantes e com sua assinatura marcante. “Eu sou o designer mais completo de Curitiba”, brinca ele com um sorriso. Não por arrogância, mas porque domina cada fase do processo: desde a ideia inicial até os retoques finais, e isso faz uma diferença fundamental. Autodidata, ele constrói suas criações como quem constrói uma casa, fundação e acabamento – em cada detalhe, uma expressão de quem ele é.
As cores, para ele, são vivas e vibrantes, quase como entidades que transmitem sentimentos próprios. Seus quadros são pensados para serem experienciados, não apenas vistos. Ele fala do prazer de observar sua obra em diferentes luzes, como luz negra ou RGB, que transformam a peça em outra criação, um jogo de contraste e camadas. Quando você vê de perto, encontra a humanidade nas linhas irregulares e nas pinceladas rápidas – a vibração do instante, a alma do artista naquele momento. Tudo isso é calculado para evocar um sentimento, uma memória distante, algo que, como ele diz, “leva a um lugar que nem sabemos que existe”.
Sua arte é, acima de tudo, uma cura e uma afirmação. É sobre dar à comunidade preta uma imagem de si mesma que historicamente lhe foi negada. Ao verem-se retratados em suas obras, muitos espectadores sentem o chamado do “Banzo”, uma saudade de algo imemorial, uma “saudade de casa” de onde talvez nunca se esteve, mas que se vive como uma memória coletiva.
LeGro evoca isso com a força de quem quer preencher as lacunas da história, muitas vezes com um toque pessoal, imaginando cenas impossíveis, como uma avó que já se foi, mas ressuscita na tela ensinando o neto a plantar uma muda. Com isso, ele dá aos que sentem saudade um alívio, um consolo. Essa é sua arte como medicina: ela oferece o que foi perdido, mas também um futuro de resistência.
LeGro começou a definir seu caminho artístico em 2017, com influências do rap nacional e do afrofuturismo, que aos poucos foi moldando com seu próprio toque. A experiência na faculdade de design lhe deu as ferramentas, mas foi sua primeira intervenção em um museu de Curitiba que o fez sentir-se realmente um artista: uma declaração de insatisfação ao pintar, junto com outros artistas negros, um mural no Museu de Arte da UFPR, um símbolo de resistência, um grito colorido que ecoa.
O afrofuturismo, embora ganhe espaço no Brasil, ainda enfrenta a resistência de um mercado de arte que reluta em apoiar formas de expressão verdadeiramente negras e brasileiras. LeGro vê potencial, mas anseia por mais compreensão e suporte, para que o movimento possa realmente florescer. Até lá, ele segue pintando seu próprio futuro – e, junto dele, o de muitos outros. Ele não quer apenas criar arte; quer que sua arte seja um espelho onde outros se encontrem, se reinventem e vislumbrem novas realidades onde a beleza preta seja, finalmente, reconhecida e celebrada.
Fotos: LeGro, Shaila Machado e Leo Nunes