Daniel Montelles é um artista que carrega em sua voz as nuances e riquezas de sua jornada desde São Luís do Maranhão até Curitiba. A influência de sua ancestralidade é palpável em cada nota, em cada poesia entoada, em cada batida do coração que marca o ritmo de sua identidade artística e pessoal.
Essa história linda começa na igreja evangélica em São Luís, onde iniciou sua jornada musical. Na igreja, encontrou desafios e resistências ao tentar expressar sua arte e visão além das paredes do templo. Mas sua missão nessa terra tem a mesma complexidade de sua arte, Daniel teve que viajar 3400 quilômetros sentido sul do país para ter a maior descoberta de sua vida. Não foi um novo ritmo musical, nem um instrumento que não era popular em São Luís, tão pouco um aparato tecnológico da capital paranaense. Daniel descobriu a si mesmo. Sua mudança para Curitiba não apenas ampliou seus horizontes culturais, mas também o levou a um profundo mergulho em suas raízes maranhenses e na cultura afro-brasileira. Depois de uma vida toda, o jovem Daniel experimentava esse sentimento de pertencimento e o poder de sua ancestralidade.
Suas raízes são a essência de sua música. Daniel aprendeu a respeitar as águas de sua terra, a dar vida à sua ancestralidade por meio das rimas, dos ritmos e das tradições de São Luís. O respeito pelas tradições e pela história de seu povo permeia cada verso, cada acorde, como uma reverência às suas origens.
A imersão nos espaços de pesquisa preta e nas filosofias africanas foi um ponto de virada em sua vida e em sua arte. No calor dos terreiros de candomblé, ele encontrou sua identidade e seu propósito. A conexão com suas raízes, com seus ancestrais e com os ensinamentos dos orixás moldou sua visão de mundo e sua abordagem à música.
Daniel não apenas carrega consigo as influências de sua avó Maria Dulcey, de sua mãe Lucia , e de sua Iyalorixá Iyagunã Dalzira, mas as homenageia em sua arte. Essas mulheres fortes e resilientes foram suas guias, suas inspirações, suas mães de sangue e de coração. É delas que ele herdou a sensibilidade, a feminilidade, a determinação e a fé que adubam sua vida e sua arte.
Mesmo relutante no começo, Daniel buscou a luz de seus orixás para tomar um outro grande passo em sua vida, empreender. À frente do Frigideira Torta, Daniel não apenas empreende, mas constrói um espaço de acolhimento e celebração da cultura preta. Seu desafio é fazer dinheiro com sentido, é resistir ao capitalismo que distancia as pessoas e desumaniza os espaços. O Frigideira serve de voz para os que foram silenciados, um refúgio para os que foram excluídos e um palco para eternizar a cultura preta que é silenciada neste pais por mais de 500 anos. Os desafios não são poucos, muito menos pequenos, mas não existe barreira que Daniel não atravesse com sua fé e confiança nos Orixás.
E se estamos falando em desafios, Daniel conseguiu produzir um EP em meio a pandemia, sem praticamente nenhum recurso no começo do projeto. Álcool em gel, máscaras, estúdios abriam, estúdios fechavam, faixas ficam paradas no meio. Se na igreja lhe ensinaram que a água se transforma em vinho, no terreiro ele aprendeu a fazer beleza do caos.
Nascia “Imensidão”, seu primeiro EP autoral, é mais do que um conjunto de músicas, é uma ode às suas raízes, um tributo à sua história, um testemunho de sua jornada regada por saias e almas femininas. Cada canção é um convite para mergulhar nas águas profundas de sua alma e descobrir a imensidão de sua arte e dos seus antepassados.
O papel da música na preservação e celebração da cultura afro-brasileira é inestimável. Daniel reconhece a importância da música como uma ferramenta de resistência, como uma forma de manter viva a história de um povo, como um meio de eternizar tradições e ensinamentos. Sempre foi assim, a oralidade foi um norte do povo preto no combate das injustiças, não só no Brasil, mas em diversas partes do mundo.
As tradições do candomblé, do tambor de mina e da umbanda são a essência de sua música, mas não o limitam. Daniel encontra em cada batida do tambor, em cada cântico dos orixás, em cada toque de atabaque, a inspiração para subir no palco. Sua música é um reflexo de sua fé, de sua devoção e de sua conexão com o sagrado.
Integrar espaços de pesquisa negra em sua prática artística é um compromisso que Daniel leva a sério. Ele reconhece o sofrimento de seu povo, a luta de seus irmãos, e encontra na arte uma forma de dar voz aos que foram silenciados, de resistir aos que tentam apagar sua história.
Receber uma homenagem da Câmara Municipal de Vereadores de Curitiba é um reconhecimento do valor de sua arte, do impacto de sua música na construção da identidade cultural de uma cidade que tenta apagar a cultura preta a todos os custos. Daniel encara esse momento como uma oportunidade de ocupar espaços, de ser visto e ouvido, de fazer história. Fato que encheu de orgulho a vovó, vendo sua cria voando alto.
O artista tem um lema na sua caminhada: quem tem missão não espera gratidão; uma frase que imita a vida, curta e significativa. Daniel não espera gratidão, mas merece todo reconhecimento. Sua missão é clara: ocupar espaços, dar voz aos que foram silenciados, celebrar a cultura afro-brasileira em toda sua imensidão. Axé para sua caminhada, Daniel, e que seus passos ecoem por gerações.
Fotos: Beapuly, Taciano Berton, Daniel Montelles, Lucas Amorim e Alice Maneschy