Brenda Santos é uma produtora cultural cujas raízes profundas no Rio de Janeiro e florescimento em Curitiba formaram um mosaico vibrante de identidade e expressão. Sua história é uma ode à resiliência e à preservação cultural, pintando um quadro emocionante de transição, adaptação e celebração.
Aos oito anos, Brenda deixou a efervescência do Rio de Janeiro para encontrar a serenidade de Curitiba, devido à crescente violência na década de 80. Saindo da Ilha do Governador, onde a infância era um carnaval de brincadeiras na rua, vizinhança acolhedora e festas comunitárias, ela aterrissou em uma Curitiba fria e mais reservada. A mudança drástica de ambiente, de um calor humano carioca para a formalidade curitibana, trouxe desafios e moldou sua visão cultural. A espontaneidade e o senso de comunidade do Rio ficaram guardados na memória, enquanto a nova cidade exigia um comportamento mais reservado e planejado.
A família de Brenda desempenhou um papel crucial na manutenção de suas raízes. Apesar da mudança, a espiritualidade e a música sempre estiveram presentes em seu lar. O rádio, sempre ligado, trouxe uma diversidade musical que alimentou sua alma e criatividade. A fé, manifestada de diferentes formas, desde a devoção a Cosme e Damião até a espiritualidade cristã de sua mãe, permeou sua infância e moldou sua visão de mundo. Esse alicerce espiritual e musical foi fundamental para o desenvolvimento de Brenda como produtora cultural, nutrindo um olhar sensível e profundo para com a sua espiritualidade e a cultura negra. Esses elementos de sua infância permeiam seu trabalho, especialmente em eventos como “Um Baile Bom”, que se transformaram em celebrações de memória e identidade cultural.
A jovem Brenda, fã de Indiana Jones, sonhava em ser historiadora ou arqueóloga, mas acabou optando por Publicidade e Propaganda devido às pressões familiares e à promessa de uma carreira mais lucrativa. A criatividade intrínseca e a experiência adquirida na faculdade foram direcionadas para a produção de festas e eventos. A passagem por agências de publicidade revelou que seu verdadeiro talento residia em criar ambientes e experiências, mais do que em seguir métricas e prazos rígidos.
Hoje em dia Brenda não está explorando nenhuma tumba do Egito, tão pouco está no meio da selva Amazônica buscando algum artefato raro, mas ela desenterra tradições, revive memórias e exerce uma arqueologia cultural que eterniza a cultura afro brasileira.
Um Baile Bom: Um Espaço de Memória e Ancestralidade
“Um Baile Bom” celebra quase uma década de existência e se consolidou como um espaço fundamental para a comunidade negra de Curitiba. Realizado principalmente na Sociedade Operária 13 de Maio, um clube social negro histórico, o evento cria um território de memórias afetivas através da música e da dança. Brenda descreve “Um Baile Bom” como uma “tecnologia ancestral”, onde os ritmos e toques evocam uma conexão profunda com a ancestralidade africana. Cada evento é uma igregora, uma união de energias que eleva a autoestima e celebra a identidade negra.
Além de “Um Baile Bom”, Brenda organiza eventos como “Caixa Preta” e “Samba Casa Forte”. “Caixa Preta” é uma festa de pesquisa musical, onde temas específicos são explorados pelos DJs residentes, criando uma experiência auditiva rica e variada. Já “Samba Casa Forte” retoma as tradicionais rodas de samba, conectando a comunidade com suas raízes e promovendo um espaço de cura e celebração. Sempre guiada pelos seus orixás, os eventos de Brenda, por mais diversos que sejam, acabam tendo um axé único que marca a vida dos participantes.
A lança da criatividade
O processo criativo de Brenda é detalhado e sensorial. Desde a escolha dos elementos visuais até os cheiros e sons, cada detalhe é pensado para criar uma experiência imersiva. Ela se vê como uma designer de experiência, cuidando para que cada evento conecte os participantes com suas próprias memórias afetivas. A simplicidade e a autenticidade são fundamentais, evocando a sensação de estar em casa, em uma festinha de garagem.
Brenda também é a mente criativa por trás da marca Patuá Acessórios com Mandinga, que combina moda e espiritualidade. A marca nasceu da necessidade de se desconectar do digital e voltar à manualidade, criando peças que não só adornam, mas protegem e conectam espiritualmente quem as usa.
Ser uma empreendedora cultural traz desafios, especialmente em um cenário que frequentemente marginaliza a cultura negra. No entanto, as recompensas são imensas. Brenda se orgulha de criar espaços de cura e celebração, onde a comunidade negra pode se reconhecer e se fortalecer. A conexão e o reconhecimento de seu trabalho são um testemunho de sua dedicação e paixão.
O amanhã
Os planos futuros para “Um Baile Bom” e outros eventos são ambiciosos. Brenda pretende expandir esses espaços, criando eventos que integrem ainda mais as famílias e as crianças, assegurando que a cultura negra continue a florescer em Curitiba nas próximas gerações. Ela vê um futuro dinâmico para a cultura preta na cidade, com novos coletivos e artistas emergindo, e espera continuar sendo uma catalisadora dessa transformação.
A trajetória de Brenda Santos é um exemplo inspirador de como a resiliência, a criatividade e a conexão com as raízes podem transformar desafios em oportunidades. Seus eventos não são apenas festas, mas celebrações de identidade, memória e ancestralidade, criando um legado duradouro para a comunidade negra de Curitiba.
Fotos: Flor Leticia, Lis Guedes e Rafael Mederi